Experiências com vinho: um bom presente
A palavra “experiência” já teve uma carga conceitual mais simples. Em tempos em que é forte e recente a memória de estar proibido sairmos de casa, viver uma experiência no mundo virou privilégio. Experiência é a nova commodity. É o novo alvo de um consumismo irrefreável, é o tema das bucket lists de todo e toda millennial que se preze. Dirão que a “experiência é a única coisa que você compra que te torna mais rico”.
De onde eu vejo, vale a pena olhar um pouco pra algo que pode ser uma nova modalidade de ganância, travestida de ~enriquecimento pessoal~. Mas também é verdade que estamos em novembro, e isso significa que vem aí aquela época do ano em que as pessoas subitamente se lembram que têm que sair gastando seus ricos dinheirinhos porque têm que dar presente, porque é Black Friday, porque é Natal, porque é amigo secreto etc.
Ninguém precisa ser o Grinch pra questionar minimamente a sanidade social e ambiental desse frenesi consumista que nos é impelido nessa época do ano via redes, inbox do email, relógios na rua e basicamente cada poro na pele e cada ponto de contato que temos com o mundo externo. Mas (ainda) vivemos no sistema, ou melhor, somos o sistema. Por isso sei que esse texto será mais útil se eu der sugestões de presentes minimamente sinérgicos com uma lógica de consciência pela redução das desigualdades, do lixo e do consumo desnecessário, do que se eu gastar mais três parágrafos reclamando do capitalismo. Vem comigo.
um bilhete para um evento: várias capitais do Brasil abrigam, em todos os anos não pandêmicos, feiras temáticas ou generalistas em que se pode degustar dezenas de vinhos e falar diretamente com os produtores. O Guia Descorchados, por exemplo, faz um evento anual, aberto a não profissionais, de lançamento de suas publicações, e a Feira Naturebas faz uma curadoria pra reunir gente que faz vinho, queijo, café, cerveja, mel e o que mais for criado solto em regime de baixa intervenção e algum respeito sócio-ambiental.
uma degustação estruturada: há escolas, restaurantes, wine bars e sommeliers que montam degustações, mas também pode ser uma boa oportunidade pra se aventurar e montar a sua própria. Imagina que você conhece uma pessoa interessada em saber como são os vinhos de solos calcários. Vai lá pesquisar em que regiões esses vinhos são feitos e depois é encontrá-los à venda, ou vá direto à loja de vinhos mais próxima e pergunte à especialista o que ela sugere.
uma assinatura de confraria ou clube de vinhos: isso é coisa que não falta. No Sede 261, por exemplo, a Cássia Campos e a Daniela Bravin fazem uma seleção que prioriza vinhos de baixa produção, e na Confraria das Pretas, a Silvana Aluá faz um trabalho incrível de posicionamento e visibilidade da comunidade preta num mercado – talvez mais que muitos outros – bastante marcado por discriminação de cor.
um jantar harmonizado: a maioria dos restaurantes vínicos faz eventos temáticos em que se explora as correspondências possíveis entre vinho e comida, tanto a nível sensorial, quanto a nível de história e conceito. A maior publicação de vinhos do país articulou a Semana Adega, algo parecido com uma Restaurant Week, mas focado em jantares vínicos.
um livro: talvez seja esticar um pouco, mas acho que dá pra dizer que os livros estão na intersecção entre um objeto e uma experiência, vá. Ainda mais quando é um livro que fala de experiências. Qualquer um assinado pela Jancis Robinson, Oz Clarke, Karen MacNeil, Wine Folly promete bons momentos passados entre páginas. Ou, se quiser valorizar o nosso, que não é pouco, vale apoiar o trabalho da Expedição Cultural VoudeVinho, em que duas mulheres viajaram o país entrevistando produtores e conhecendo nosso patrimônio vitivinícola pra depois imprimi-lo a cores.
um curso de vinhos: você pode querer dar aquele empurrãozinho a uma pessoa que quer se profissionalizar, presenteando-a com um curso de Sommellerie no Senac ou na ABS, ou até com a taxa de matrícula em uma faculdade de Enologia. Também existem opções pra quem não quer fazer desse prazer um trabalho, e aí o Ciclo das Vinhas e a Enocultura podem ajudar. Em todo caso, a Estela Mayra já falou tudo o que é preciso saber sobre cursos de vinhos aqui.
uma visita a um produtor de vinhos: essa ganha no quesito sinestesia. E no quesito esperteza, porque quem dá o presente acaba por ir junto e desfruta também.
Conclusão rápida
Nenhuma dessas sugestões merece um prêmio de criatividade ou disrupção, e quem lê certamente consegue pensar em opções mais convenientes pra cada caso. A jogada aqui é sacar os pontos em comum entre essas ideias: valorizar produtores e produtoras locais, ter mais autonomia na nossa própria busca por prazer, consumir com consciência. E pronto, é igual no Natal ou no resto do ano