Quer trabalhar com enoturismo? Eis 10 possibilidades ou mais
Algo curioso no vinho é que as pessoas que tiram sustento disso, salvo produtores e produtoras que nasceram no seio de uma família vitivinícola e um ou outro engenheiro agrônomo que já vinha com a cabeça formatada para a enologia e viticultura, são, na esmagadora maioria das vezes, expatriadas de outras carreiras profissionais.
No mestrado que eu fiz havia enólogas e sommelières, sim. Mas havia geógrafas, biólogas, turistólogas, cozinheiros, tradutores, economistas e outra jornalista além de mim. Muitos de nós, em algum momento, nos demos conta de que gostávamos muito de vinho, de que tínhamos um nível de conhecimento ok e de que talvez não fosse má ideia rentabilizar isso. Outros estavam profundamente aborrecidos em seus trabalhos, decidiram agarrar a vida pelos cornos, estudar e, quando deram por si, eram 3 da manhã e tinham um mapa dos solos da Alsácia em 18 cores diferentes na ponta do lápis. Outros caíram de pára-quedas diretinho pra dentro da bolha do vinho e até hoje não encontraram a saída – também não procuraram muito. (É o meu caso).
Se você contempla algum dia dar esse salto à vara, convém garantir que o colchão do outro lado é minimamente macio. O vinho, em 2023, é uma indústria que tem muito a crescer, especialmente no Brasil, mas é certo que alguns setores podem ser mais receptivos a novos talentos que outros.
E o setor do enoturismo, é promissor?
Já em 2019 a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) fez um estudo que detectou crescimento de 10 a 15% ao ano no número de enoturistas no Brasil, tendência que voltou a se confirmar depois da pandemia. O site visitbrasil.com, do Ministério do Turismo, já tem uma página dedicada ao enoturismo, e até a Sebrae já recomenda o investimento no setor.
No mais, temos tendências globais como foco em experiência, consumo responsável, valorização do local (buy local, travel local), autonomia do consumidor, reshaping da educação e informação, destinações remotas, outras dimensões do comércio para a interação marca x consumidor, a associação do consumo a componentes emocionais e jornadas de auto-descoberta. Tudo isso sinaliza um tapete vermelho para a ascensão do turismo de vinhos, em que, como já vimos, se favorece o desenvolvimento durável de uma região.
A outra boa notícia é que existe uma gama bastante diversa de trabalhos possíveis para quem deseja abraçar o turismo de vinhos como ganha-pão. Vamos então a algumas delas:
- Ser guia turística/o numa vinícola
Talvez o mais óbvio dos trabalhos com enoturismo seja esse que provavelmente é também o mais importante. O/a guia é quem faz a mediação entre o consumidor e o que o consumidor consome. É quem conta a história, quem faz chegar a narrativa a nós e, portanto, quem mais tem poder de estímulo sobre os nossos sentidos. Um guia faz a magia ou a ruína de uma visita.
- Ser gerente turística/o numa vinícola
Protocolos, logística, higiene, staff, horários, agendamentos, tudo isso faz parte do escopo de trabalho de um/a gerente de enoturismo, que muitas vezes é também guia. É essa pessoa que vai atrás dos selos e licenças, que garante que as taças, cadeiras, geladeiras, banheiros e vagas de estacionamento são suficientes, e que está atento/a à oportunidade de criar novas experiências.
- Dar aulas
Quem tem aquela vocação como prof pode explorar seu lado orador ao ensinar sobre vinhos e assuntos “satélites”, como por exemplo negócios do vinho, importação de vinhos, marketing de vinhos e… turismo de vinhos. Espalhadas por aí hoje estão muitas instituições, museus, casas e escolas com foco em experiência, muitas das quais incluem ateliês, cursos de várias durações e degustações temáticas.
- Fazer a gestão da marca
Esse trabalho de backoffice é o que garante a consistência na entrega da narrativa, do produto, da experiência e tudo o que está em volta – dos posts de Instagram à cor dos azulejos no banheiro. Normalmente o/a gestor/a de marca vai ter grande participação na concepção das atividades e escolha dos elementos a serem comunicados e, em parceria com o/a gerente de enoturismo, vai entender os comos, os quandos e os ondes.
- Conduzir degustações num wine bar
Quem já tirou 5 minutos para explorar a seção “Experiências” do AirBnb deve ter se deparado com algum workshop gastronômico, tour de bares de tapas ou degustações de vinhos. Há sempre ao menos uma pessoa por trás dessas experiências, e alguém que trabalhe numa loja ou buteco de vinhos e tiver uma mente criativa pode sempre pensar em degustações temáticas e eventos à medida.
- Ser somm num restaurante ou estabelecimento turístico
Difícil dissociar o trabalho de sommelier do enoturismo quando os restaurantes são os estabelecimentos turísticos por excelência. Um/a somm vai sempre ter de lidar com turistas, quanto mais não sejam turistas em suas próprias cidades, que se deslocam em nome de uma experiência. O que é esperado desse profissional: impecabilidade, conhecimento profundo, habilidade na prova de vinhos e sangue muito, muito frio.
- Fazer cruzeiros
Há cruzeiros de longas distâncias que contratam sommeliers, mas há algo além. Já reparou como muitas regiões vitivinícolas estão estendidas em vales e encostas ao longo de algum curso d’água? Bordeaux, Rhône, Mosel, Douro, Loire, São Francisco e assim por diante. Em todas elas é possível contratar passeios de barco com durações variadas e aprender sobre a produção local. E alguém tem que ser aquela pessoa com o microfone a ensinar.
- Oferecer consultoria
A somatória das funções de um/a gestor/a de marca e de um/a gerente de enoturismo pode fazer parte de um projeto de consultoria, por exemplo, quando a vinícola a contratar esse serviço for pequenina e não der conta de ter pessoas full time desempenhando esse papel. Nesse caso, é preciso alguma experiência e base teórica pra interpretar as diretrizes e valores da empresa e conseguir desenhar um conjunto de experiências em sinergia.
- Servir em instituições públicas
Comitês, secretarias, ministérios, associações… O turismo normalmente é regulado por órgãos vinculados ao Governo Federal, como a Embratur, que conduzem projetos de articulação e portanto precisam de pessoas a pensar em como incentivar modalidades novas como o enoturismo. Também é uma possibilidade trabalhar em instituições e associações referentes ao mercado do vinho e liderar projetos específicos de turismo.
- Pesquisa acadêmica
Existe gente que dedica a vida, o bacharelado, o mestrado, o doutorado, o pós-doutorado e mais o que for possível a estudar turismo. O enoturismo, especificamente, vem sendo matéria de advocacia de muitos pesquisadores, já que pode ser uma ferramenta importante na viabilização da própria produção vitivinícola em determinada região. A minha tese de mestrado, por exemplo, fala de iniciativas de colaboração no contexto do enoturismo como meio de garantir a viabilidade econômica de pequenos produtores nas Ilhas Canárias. Spoiler alert: elas funcionam 🙂
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Ainda existe a possibilidade de se trabalhar com articulação social, com fornecimento de material, organização logística, catering, outras prestações de serviço para um próprio serviço pré-existente, e aí o limite é o céu. A inferência aqui é de que o Enoturismo, que agora se consolida cada vez mais como um setor mesmo, é uma esfera de trabalho e dinamização entusiasmante, à medida que tem, já à partida, simplesmente todo o mercado de turistas e todo o mercado de bebedores de vinho para explorar. Num país como o nosso, de veia experimental, diversificada e inovadora, com poucas amarras decorrentes de sistemas reguladores de produção à moda das Denominações de Origem, as fronteiras ampliáveis são tremendamente promissoras.
Mês que vem volto com depoimentos de pessoas que trabalham exercendo essas funções. Até já!