Grécia: dos encantos da mitologia ao vinho
Já que a Única está em clima de Simpósio, porque não falar do país que originou esse tipo de encontro?
Na Grécia Antiga, o termo sympósion se referia a uma festa onde se bebia (o verbo grego sympotein significa “beber junto”) e durante a qual eram travados diálogos e conversas intelectuais sobre arte, filosofia, comida e vinho.
A indústria do vinho é antiga e ainda hoje mantém o uso de castas locais e tradições milenares. É bem possível que algumas das variedades hoje cultivadas sejam as mesmas que eram apreciadas participantes de simpósios clássicos das festas dionisíacas.
Por falar nisso, a mitologia é outra parte importante da cultura grega, sendo parte fundamental no desenvolvimento de política, história e gastronomia local.
Mitologia Grega e Dionísio
A mitologia é um conjunto de narrativas que eram utilizadas para orientar as pessoas no entendimento de fenômenos naturais e em outros acontecimentos que ocorriam sem o intermédio dos homens. Os gregos antigos atribuíam a cada fenômeno natural uma criatura ou deus diferente.
Templos, altares, esculturas e outras construções eram feitas em homenagem aos Deuses e a figuras mitológicas. O culto dos mesmos também se dava por meio de oferendas e sacrifícios.
Entre as divindades, temos Dionísio, também conhecido pelos romanos como Baco. Filho de Zeus, o Rei dos Deuses e Semele, uma princesa humana, filha do Rei da cidade de Tebas. Dionísio é o deus dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da insânia, do teatro e dos ritos religiosos.
Não precisa nem dizer que o culto a esse não poderia deixar de incluir o consumo de vinho. Nas festas e celebrações, após algumas doses da bebida, as pessoas ficavam desinibidas para danças e rituais, fato que resultou no início das representações teatrais. Inclusive, há um teatro em homenagem a esse deus grego, o Teatro de Dionísio no Santuário de Apolo em Delfos que ainda hoje é possível visitar.
O vinho na Grécia
Se a divindade do vinho tem sua origem na Grécia, então com certeza vale a pena entendermos um pouco mais sobre o cultivo das vinhas, quais as variedades e estilos de vinhos produzidos aqui.
A tradição vitivinícola é tão antiga quanto a mitologia local. Entretanto, é recente a fama que os vinhos gregos vêm ganhando no mercado. A Grécia tem construído um novo e respeitado nome com suas uvas indígenas, sendo a maioria delas castas brancas.
A nova era começa em meados da década de 1980, período durante o qual o país passou a integrar a União Europeia. Além disso, havia uma movimentação de pessoas interessadas no setor do vinho que começaram a buscar estudos e troca de experiências em outros países.
O retorno de agrônomos e enólogos que foram estudar formalmente na França, somado a um fluxo de investimentos tanto da União Européia quanto de indivíduos, permitiram um aprimoramento nas tecnologias utilizadas na produção de vinho e no desenvolvimento de novas vinícolas. Nessa conjuntura, uma classe média com poder aquisitivo também se desenvolvia, promovendo uma rede de consumidores para os novos vinhos.
E que vinhos são esses? Bem, muitos podem intuitivamente dizer que o país é muito quente e seco para a produção de vinhos de boa qualidade. Mas o segredo está justamente no cultivo de variedades que lidam bem com essas condições, ou seja, uvas locais.
Uvas Gregas
A maior parte dos vinhos produzidos é branco, cerca de 70%. Entre as uvas plantadas 90% são de variedades autóctones. As uvas internacionais foram plantadas na década de 80 para atender uma demanda interna e por preocupação de alguns produtores que queriam exportar, se os consumidores aceitariam as variedades locais.
Uvas Brancas
Savatiano: uva mais plantada do país, conhecida como cavalo de força da Grécia devido a sua resistência à seca. Produzida em grandes volumes, um dos principais ingredientes do famoso Retsina. Pode gerar vinhos de qualidade quando produzido em baixos rendimentos.
Roditis: a segunda uva mais plantada. Casca de coloração rosada. Produz em grandes volumes, ficou popular para produzir vinhos econômicos, mas sua reputação tem crescido.
Assyrtiko: uva branca indígena mais conhecida e valorizada da Grécia. Retém altos níveis de acidez, mesmo nas regiões quentes. O equilíbrio entre acidez alta e nível de álcool elevados resultam em vinhos com potencial de envelhecimento e também com características ideais para produzir vinhos doces como o Vin Santo de Santorini.
Moschofilero: outra uva valorizada pelo potencial de qualidade. Aromática, com altos níveis de acidez, corpo leve e álcool relativamente baixo. Também apresenta casca de coloração levemente rosada.
Malagousia: variedade quase extinta, de alta qualidade. Produz vinhos com níveis médios de acidez, corpo médio e aromas complexos e intensos de frutas de caroço, como pêssego, e flores.
Curiosidade: uma variedade amplamente difundida deve o seu nome às origens gregas. A Malvasia é uma corruptela do nome do porto grego de Monemvasia, por onde passaram muitas antigas Malvasias doces na Idade Média. Do nome Monemvasia, tornou-se Malfasia e depois em Malvasia. Entretanto, estudos de DNA mostram que essa não é uma uva grega, ficando apenas o legado do nome.
Uvas Tintas
Agiorgitiko: variedade tinta mais plantada e a terceira mais plantada em geral (entre brancas e tintas). Versátil, produzindo vários estilos, de secos à doces. Vinhos de coloração profunda, acidez média, níveis de taninos de médios a altos, textura macia e álcool médio. Aromas de frutas vermelhas maduras.
Xinomavro: a tradução dessa palavra seria “ácido ngro”. Essa é uva tinta indígena mais conhecida e valorizada. Comparada com a Nebbiolo, quando jovem apresenta altos níveis de acidez e taninos adstringente. Os vinhos apresentam intensidade de cor pálida e rapidamente adquirem tonalidade granada. Alguns produtores costumam fazer blends da Xinomavro com Merlot para deixar o vinho mais macio.
Legislação
O Sistema de Denominação de Origem está de acordo com a legislação da União Europeia. Em grego, o termo é Prostatevmeni Onomasia Proelefsis (POP), atualmente existem 33 denominações. As regras concentram-se em como cultivar as uvas e métodos de produção dos vinhos, com exceção dos vinhos doces, que podem ter Muscat, os vinhos de denominação devem ser feitos com uvas nativas.
O equivalente grego à Indicação Geográfica é o Prostatevmeni Geografiki Endiksi (PGE), sendo mais de 120 pelo país. As regras são menos restritas e os vinhos representam 17% de todo vinho grego.
Vinhos feitos fora dessas indicações de procedência são classificados apenas como Vinho Grego e contabilizam cerca de 66% da produção anual.
Regiões e Denominações de Origem
Na parte norte da Grécia está a Macedônia, a terra do vinho tinto. Dominada pela casta Xinomavro, cujos vinhos de maturação lenta são alguns dos mais impressionantes do país. Dentro dessa região destacam-se algumas denominações.
Naoussa, é a primeira (1971) e mais importante denominação do país. Os vinhos devem ser tintos e 100% Xinomavro, sendo que os melhores exemplares podem adquirir um bouquet de aromas que lembram os barolos mais finos.
Goumenissa é uma denominação pequena, localizada em altitudes ligeiramente mais baixas dos Montes Piako, produzindo uma versão mais macia dos vinhos de Naoussa. Em altitudes mais elevadas, entre 570 e 750m está a denominação de Amyndeon. A única uva autorizada segue sendo a Xinomavro, mas permite a produção de rosé é permitida.
Ao lado da Macedônia, no canto noroeste do país, está a região de Épiro onde temos Zítsa, a única Denominação da área. A uva mais plantada é a branca chamada Debina, usada para vinhos secos tranquilos e alguns levemente frisantes. As vinhas mais altas encontram-se no Métsovo, a cerca de 1.200m.
A região do Peloponeso, península sul, é uma área bem montanhosa e onde concentram-se as maiores plantações de vinhas, representando quase 30% do total nacional. Por consequência, aqui também encontra-se o maior número de Denominações de Origem na Grécia.
Nemea é a denominação mais importante, fazendo deliciosos vinhos tintos de Agiorgitiko. A denominação tem invernos mais amenos e verões mais frios do que se poderia esperar, graças à influência do mar. Nemea também foi palco de um dos 12 Trabalhos de Hércules, quando recebeu a missão de derrotar o leão de Nemeia. A denominação é apenas para vinhos tintos produzidos 100% com Agiorgitiko, podendo ser seco ou doce, apesar de versões doce serem raras.
Patra, no nordeste do Peloponeso, é uma área semi montanhosa, que constitui uma das maiores zonas produtoras de vinho. A uva de destaque é a Roditis, que resulta em brancos finos e aromáticos. Ainda nessa região, na parte sul, temos o planalto da Mantinia que faz vinhos brancos e espumantes. Apesar da sua latitude sul, a altitude faz desta uma das áreas de cultivo de uvas mais frescas da Grécia. A casta Moschofilero deve representar pelo menos 85% das uvas utilizadas, embora muitos dos vinhos da mais alta qualidade sejam feitos 100% de Moschofilero.
Ainda temos as famosas Ilhas Gregas, que estão repletas de denominações. Entre elas, podemos destacar algumas, como Samos, produtora de deliciosos vinhos doces à base de Muscat Blanc; os estilos vão dos mais jovens a alguns envelhecidos em carvalho.
Na ilha de Páros encontramos vinhos brancos e tintos. Em Rhodes o vinho branco é mais importante que o tinto, sendo que a casta Athiri tem produzido recentemente alguns brancos encorpados e notavelmente elegantes quando cultivados em grandes altitudes.
Santorini, porém, de todas as ilhas, é a mais atraente. Os seus vinhos brancos são intensos e muito secos, produzidos principalmente a partir de antigas vinhas Assyrtiko. Aqui as videiras são formadas em pequenos ninhos para proteger as uvas dos fortes ventos deste vulcão adormecido. A ilha também produz excelentes exemplares de Vin Santo.
Outro destaque vai para a ilha de Creta. Uma grande produtora de vinhos, famosa desde época veneziana pelos seus vinhos doce de Malvasia.
Vimos que a Grécia tem muito a oferecer, de espumantes a brancos, tintos rosés e vinhos de sobremesa. Isso significa que há muito para provar e que, até que possamos ir lá pessoalmente para conhecer, podemos testar algumas harmonizações por aqui.
Que tal uma taça para se aventurar?
Devido a localização geográfica, essa região sempre esteve muito perto de árabes, persas e turcos. A mistura de influências orientais e ocidentais trouxe uma culinária rica em especiarias, ervas e sabores exóticos. Hoje a culinária local faz parte da famosa Dieta Mediterrânea, que foi inscrita pela UNESCO na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Podemos falar que de uma forma geral, a base da gastronomia local sempre esteve sobre alimentos como trigo, olivas (azeite) e vinho. Os pratos incluem folhas de uva, abobrinha, tomates, beringela, iogurte, grãos, mel, ervas (orégano, menta, endro, louro, manjericão, tomilho, funcho) e especiarias como cravo, canela, noz-moscada, anis e outras. O peixe tradicionalmente constitui uma alternativa mais comum do que carne; mas também encontramos pratos que incluem cordeiro, porco e aves.
Aqui vão algumas dicas de pratos que você pode provar acompanhados por uma tacinha:
Para começar, uma entradinha leve pode ser composta por Tzatziki (molho de iogurte com pepino e alho), salada de folhas com cebolas e queijo feta e uma porção de pães. Para acompanhar um vinho branco leve e fresco, como o Monograph Moschofilero.
Na sequência, podemos pensar em 3 opções de pratos com vinhos diferentes: temos a famosa Moussaka, um tipo de “lasanha” que intercala camadas de carne moída de cordeiro, berinjela e por cima uma cobertura de molho béchamel. Outro prato pode ser o Gyros (também conhecido por aqui como churrasquinho grego), no qual um grande espeto com carne fica girando na vertical e depois é colocado no pão pita. O nome Gyros vem justamente de girar. A sugestão para ambos pratos é um vinho tinto, como os de Naoussa. Se você preferir um peixe assado com ervas, uma boa pedida pode ser um branco aromático e porque não tentar um Retsina? As notas de alecrim do peixe combinam bem com os toques de pinheiro do vinho, experimente o Tetramythos Retsina.
Para a sobremesa, também duas opções: bolo de figos com iogurte fresco e mel ou o tradicional Baklava (doce com nozes entre folhas finas, embebido em calda de mel); para acompanhar uma taça de Muscat doce de Samos.
De uma forma geral, a oferta de vinhos gregos no Brasil não é tão grande. Entretanto é possível encontrar exemplares interessantes em diferentes importadoras e empórios. Vale a pena se aventurar e experimentar caso você encontre. Espero que o texto tenha deixado vocês no clima para o Simpósio e com vontade de conhecer mais um lugar do vinho. Espero vocês na nossa próxima viagem!
Fontes:
The World Atlas of Wine. Johnson, Hugh; Robinson, Jancis. Livro impresso.
Wines of Greece website: https://winesofgreece.org/a-unique-proposal/
Wine Folly website: https://winefolly.com/deep-dive/the-wine-regions-of-greece-map/