Como se tornar um geek no mundo dos vinhos
ou
como estudar melhor e mais efetivamente em formações, certificaçoes e até por conta própria
Olá, pessoal! O texto deste mês está um pouco diferente. Já começa com um descarado clickbait no título. Mas o subtítulo abre o jogo.
A educação sempre foi parte intrínseca da minha vida, uma herança dos meus pais, ambos professores. Acredito em aprendizagem contínua. E tem jeito melhor de aprender do que ensinando? Pensando nisso, comecei a dar aulas sobre vinho “oficialmente”, pois me certifiquei como educador do programa Maestro da Vinitaly International Academy.
Concomitantemente, comecei a dar mentoria para candidatos que reprovaram na certificação WSET Nível 3. (Se você estiver nesse perrengue e precisar de ajuda me procure!). E foi a mentoria que me fez pensar sobre esse tema. Preparar-se para provas do mundo do vinho (como da ABS ou WSET) pode ser bastante intrincado, principalmente devido à ampla gama de informações necessárias para ser aprovado.
Tenho notado que muitos candidatos estão com dificuldades neste percurso. O WSET Níveis 3 e 4 tem um índice de reprovação que não é desprezível. Será que são as escolas que têm um problema no ensino (algo em que pessoalmente não acredito), ou é tudo uma questão de linguagem, estilo e abordagem distintas das que estamos habituados?
Pergunto ainda: Como é que a gente aprende? É só técnica de estudo? Ou cada um tem um jeito diferente de absorver as coisas? E qual seria a forma mais eficaz? Por que uns aprendem mais facilmente e outros nem tanto? Por que alguém vira Master of Wine enquanto outros sofrem para passar na prova do WSET 3? É a tal teoria das 10.000 horas? Com isso em vista, iniciei uma pesquisa para auxiliar melhor meus alunos. Tá, confesso, também foi pra melhorar meu processo com o Diploma WSET, que não estava NADA bom. E para emoção do meu amigo Tom do Vinho Justo, a pesquisa começou com um meme do vinho, mais especificamente sobre a jornada WSET.
O Efeito Dunning-Kruger, metacognição e a síndrome do impostor
O Efeito Dunning-Kruger é um viés onde as pessoas superestimam suas habilidades ou conhecimentos em uma área específica. Isso ocorre porque a maioria das pessoas é pouco hábil em analisar sua própria performance. O resultado é uma “maldição dupla”: as pessoas não só têm desempenho ruim, como também não têm autopercepção suficiente para se avaliarem de uma maneira precisa.
Mas acredite, há como driblar essa armadilha. A palavra-chave aqui é autorreflexão e questionamento. Tá achando que sabe tudo? Dê dois passos pra trás e desconfie um pouco do você acha que está sabendo. E busque a opinião de quem realmente entende do assunto.
E aqui entra o conceito de metacognição. Ela é a consciência e compreensão de seus próprios processos de raciocínio – “o pensar sobre o seu pensamento”. Ela é importante para absorver novas informações pois ativa uma modalidade mais profunda de processamento em seu cérebro. Isso ajuda a formar “rastros de memória” mais fortes, que são mais facilmente recuperáveis.
Mas nem tudo são flores. Veja que paradoxo curioso: quanto mais a gente aprende, mais sentimos que há muito mais o que aprender. E isso pode acabar virando o oposto do Dunning-Kruger, que é a síndrome do impostor: aqui as pessoas duvidam constantemente de suas habilidades e sucessos. Complexo, né?
Voltemos a “pensar sobre nosso pensamento”. Começaremos pelo o que a ciência tem a dizer sobre estilos de aprendizagem
Estilos de aprendizagem
Os estilos de aprendizagem referem-se às preferências individuais e em que condições aprendemos melhor. Esses modelos tentam explicar essas diferenças e agrupar as pessoas em categorias baseadas em como elas aprenderiam melhor. Existem muitos modelos, mas vou destacar dois mais abrangentes e conhecidos: o modelo VARK e o Modelo de Aprendizagem Experiencial.
Modelo VARK
O modelo VARK de Neil Fleming é uma das teorias mais populares. Aqui a ideia central é de que temos pelo menos quatro estilos de aprendizado:
- Visual (V): prefere informações apresentadas de maneira visual, como gráficos, diagramas e vídeos
- Auditivo/Aural (A): prefere receber informações através do som, ou seja, através de palestras, discussões e gravações de áudio
- Leitura/Escrita (R): prefere informações apresentadas em formato de texto
- Cinestésico/Kinestésico (K): prefere aprendizado prático, fazendo e experimentando
(Clique aqui para fazer um teste gratuito e descobrir qual seu estilo de aprendizagem no modelo VARK)
Modelo de Aprendizagem Experiencial
A teoria concebida por David Kolb concentra-se na ideia de que a melhor maneira de aprender as coisas é realmente tendo experiências práticas. Assim, a aprendizagem é um processo contínuo que se divide em dois eixos: o do processamento, que se refere à forma como realizamos as coisas, e o da percepção, relacionada à maneira como pensamos sobre as coisas.
Ao longo desses eixos, Kolb identifica quatro estilos distintos de aprendizagem:
- Acomodativo (sentir e agir): aprende pela ação e sentimento, valoriza a intuição e feedbacks, é prático e gosta de trabalho em equipe
- Divergente (sentir e observar): aprende observando e sentindo, possui sensibilidade artística, prefere observar a agir, é sociável e tem interesse cultural
- Convergente (pensar e observar): aprende através da observação e pensamento, valoriza ideias abstratas, é bom com números e modelos conceituais, prefere teorias a situações práticas
- Assimilador (pensar e agir): aprende pensando e agindo, aplica teorias na prática, prefere trabalhar sozinho e se concentrar em tarefas técnicas
Quer descobrir seu estilo? Use então o Learning Style Inventory (LSI), ferramenta de autoavaliação desenvolvida pelo próprio David Kolb, para fazer o teste grátis. E ainda tem feedback em vídeo.
Técnicas de aprendizagem
Entendido seu estilo, não se empolgue: pesquisas recentes sugerem que se adaptar ao estilo de aprendizagem preferido pode não ser tão efetivo assim. Por isso, também é importante conhecer ferramentas e técnicas. Técnicas de aprendizagem são métodos e procedimentos estruturados e focados em melhorar nossos processos internos do aprender. Diferentemente dos estilos, aqui o negócio é mais experimental (tentativa e erro). O mais importante é encontrar uma abordagem que funcione para você. Selecionei as que eu acho mais interessantes.
Flashcards
Flashcards são uma ferramenta de aprendizagem que usa os dois lados de um cartão: um com perguntas, outro com respostas. Eles acionam a “recuperação ativa”, que é o processo de lembrar ativamente uma informação, em vez de apenas revisá-la. Isso fortalece a retenção na memória. Além dos tradicionais cartões físicos, existem aplicativos e sites (como Brainscape, Anki e Quizlet) que permitem a criação e o compartilhamento de flashcards digitais, muitas vezes com funcionalidades adicionais como acompanhamento do progresso, algoritmos de repetição espaçada e multimídia. E é aqui que o negócio fica bom. Principalmente combinado à Repetição Espaçada.
Spaced Repetition (Repetição Espaçada)
A Repetição Espaçada é um processo de estudo que enfatiza a revisão frequente de conceitos novos ou mais difíceis, desafiando constantemente as áreas com mais lacunas. Ela está fundamentada em como nossos cérebros codificam nossas memórias. A ciência cognitiva mostra que as repetições dentro de intervalos de tempo otimizados é o fator mais importante para a retenção de conhecimento.
Este método se baseia na “Curva do Esquecimento“, conceito proposto pelo psicólogo Hermann Ebbinghaus. Ele descobriu que as pessoas tendem a esquecer as informações rapidamente após a aprendizagem inicial, e que a revisão da informação em intervalos espaçados ajuda a reverter essa tendência.
O principal aspecto da Repetição Espaçada é que as informações não são revisadas de maneira constante, mas em intervalos que aumentam a cada revisão. Por exemplo, uma informação pode ser revisada após um dia, depois três dias, depois uma semana, depois um mês, e assim por diante.
A repetição espaçada pode ainda ser combinada com outras técnicas, como se vê em alguns aplicativos de flashcards (os já mencionados, por exemplo), ou como a Técnica Feynman. A chave, mais que qualquer coisa, é revisar ativamente as informações, em vez de simplesmente relê-las.
Técnica Feynman
A Técnica Feynman, criada pelo genial físico Richard Feynman, é uma estratégia de aprendizado que enfatiza a explicação de conceitos em termos simples para aprimorar a compreensão e a retenção. Ela consiste em 4 passos:
- Passo 1 – escolha o conceito: identifique o conceito que deseja aprender e anote-o em uma folha de papel; este será o seu ponto de partida
- Passo 2 – ensine a um leigo: tente ensinar o conceito a alguém, usando uma linguagem simples; isto lhe permitirá identificar o que já compreende e onde estão suas lacunas de conhecimento
- Passo 3 – identifique as lacunas: se encontrar dificuldades, retorne ao material de referência; reaprenda o necessário até que possa explicá-lo de forma clara e concisa
- Passo 4 – revisão e simplificação: use suas próprias palavras e simplifique a linguagem; se sua explicação estiver complexa, tente criar uma analogia para melhor entendê-la
Essa abordagem à aprendizagem é eficaz porque, ao tentar explicar algo em termos simples, somos forçados a aprofundar nosso entendimento do conceito, o que é útil para a revisão e solidificação de conceitos mais complexos.
Mind Maps (Mapas Mentais)
Os Mind Maps, inicialmente concebidos por Tony Buzan, são uma ferramenta de aprendizado visual que começa com um tema central. A partir dele, adiciona-se ramos com ideias secundárias, formando uma estrutura de conexões que facilitam a compreensão e a memorização. São ideais para lidar com grandes volumes de informações, mostrando-se flexíveis para adaptar-se a diferentes conteúdos e estilos de aprendizado.
Meta-aprendizagem
No livro The 4-Hour Chef (não se deixe enganar pelo título), Tim Ferriss explora maneiras de acelerar o aprendizado, que ele batiza de “meta learning” (meta-aprendizagem). Segundo Ferriss, devemos evitar gastar horas estudando coisas que não farão diferença, por isso devemos priorizar o “o quê” sobre o “como”, focando em dois pilares:
- Eficácia: você se concentrou no que é essencial (dose mínima efetiva)?
- Sustentabilidade: você escolheu um tema e um ritmo que vão te manter interessado no assunto?
O roteiro de metalearning de Ferriss é resumido no método DiSSS:
- Desconstrução (Di): divida sua meta em partes gerenciáveis; quais são os fundamentos que você precisa entender?
- Seleção (S): a regra é o princípio de Pareto; quais 20% desses fundamentos vão gerar 80% do seu progresso?
- Sequenciamento (S): uma vez que você tenha reduzido os fundamentos, qual é a sequência mais lógica para abordá-los?
- Apostas (S – Stakes): por fim, estabeleça consequências reais que garantam que você se atenha ao seu plano
De forma a complementar esse método, pode-se aplicar o CaFE, respondendo às seguintes perguntas:
- Compressão: você pode condensar os 20% essenciais em um formato de fácil compreensão? (Uma folhinha de cola com tudo)
- Frequência: Com que frequência você deve estudar? Qual é o equilíbrio entre fazer pouco e fazer demais?
- Codificação: Como você pode conectar o novo conhecimento ao que já sabe? Acrônimos ou outros dispositivos mnemônicos podem ser úteis?
Em resumo, o aprendizado ideal envolve escolher duas coisas:
- os materiais de ‘alta frequência‘, que são aqueles que podem ser aplicados na maior quantidade possível de situações;
- e os métodos de estudo mais eficazes, que são aqueles que você realmente consegue manter rotineiramente.
Aprendizagem Ativa
Aprendizagem Ativa é uma técnica que exige a participação proativa do estudante no processo de aprendizagem, em contraste com a aprendizagem passiva. Aqui é que estão os grupos de estudo: imagine um em que cada membro pesquisa e compartilha informações sobre um vinho ou região específica. Eles discutem, fazem perguntas e compartilham impressões. Após a discussão, degustam o vinho, identificam sabores e comparam com as informações previamente discutidas.
Não parece importante, mas é fundamental
Ufa! É muito estilo e técnica em uma coluna só (coitada da minha editora Lana esse mês).
Mas não para por aqui: há outras coisas tao importantes quanto saber seu estilo de aprendizagem ou achar a sua técnica de estudo mais efetiva. Segue uma listinha:
- dormir bem: ajuda na consolidação da memória e melhora a concentração e criatividade, tornando-o um componente crucial para o estudo eficaz
- fazer pausas: as pausas são cruciais para evitar a sobrecarga de informações e a fadiga mental; a Técnica Pomodoro sugere intervalos de 25 minutos de trabalho focado seguidos de pausas curtas de 5 minutos, o que pode aumentar a eficácia do estudo e melhorar a concentração
- alimentação e exercícios: alimentos nutritivos fornecem energia para o cérebro, enquanto o exercício melhora a circulação e a oxigenação cerebral, aumentando a capacidade de assimilação e retenção de novas informações
- saúde mental e mindfulness: manter uma boa saúde mental favorece a concentração, a memória e a resiliência perante desafios do aprendizado; já a prática de mindfulness aumenta a consciência do presente, reduz o estresse e melhora o foco, o que possibilita uma aprendizagem mais significativa
- mindset de crescimento: é quando se acredita na capacidade de desenvolver habilidades através do esforço; aqui, se enxerga as falhas como chances de aprender, incentivando persistência e resiliência, facilitando a adaptação a novos estilos e técnicas de aprendizagem
Para concluir…
Deu pra entender como aprender melhor e virar um geek no mundo do vinho?! É um assunto complexo. Esse texto é pra ser lido várias vezes, pra ajudar a pesquisar na internet mais sobre os modelos e técnicas discutidos por aqui.
E voltando à pergunta: se sim, ótimo. Se não, não se preocupe: o assunto não acabou aqui na teoria. Na próxima coluna, vamos praticar o Meta-Aprendizado, entrevistando diversas pessoas dos mais variados estágios de conhecimento no mundo do vinho pra perguntar a ela: como você faz pra aprender?
Não perca! Até mês que vem.