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Enoturismo barato e a microrrevolução do prazer

Não faz muito tempo que me dei conta disso, mas de todos os elementos que me fazem, ainda hoje, gravitar em torno do vinho – a multidisciplinaridade, a mágica da transformação, as potencialidades no destrinchar de um líquido, a convivialidade -, tem um em particular que me traz aquela coragem, aquele brio pra encarar as contradições da vida profissional moderna: o prazer.

O vinho aparece em documentos históricos, tragédias gregas e pinturas renascentistas. O vinho simboliza a transformação porque lembra que da fruta faz-se o pileque – ou da água faz-se o vinho, se você é Jesus num casamento sem birita. O vinho é o lubrificante da liturgia católica. O vinho une o profano e o sagrado ao ser representado por um deus que é deus-pero-no-mucho, porque é filho de Zeus com uma mortal. Dionísio, a propósito, é também divindade das festas, da alegria e da loucura, mas sobretudo da intoxicação capaz de fundir o humano com o divino. Nos rituais em sua homenagem, os bacanais (seu nome na mitologia romana é Baco), a ordem da vez era a orgia. Não surpreendentemente, em 186 a.C. o Senado Romano achou boa ideia proibir o rolê em toda a Península Itálica, e promulgou um decreto: um tal Senatus consultum de Bacchanalibus.

A movimentação de uma autoridade para reprimir um ato é sinal de que ele representa perigo, e estendo então a pergunta: o que é perigoso no prazer? O desacato ao dogma? A exploração dos sentidos, o desenvolvimento de faculdades elevadas? A descoberta das potências humanas no transcendental? Se hoje politizamos tudo, politizemos também o prazer. E cada um com o seu, certo, mas aqui o papo é vinho, e no vinho não faltam elementos pelas veredas da história ocidental que o associam ao deleite e à delícia em comungar uma taça.

Tudo isso pra dizer que tudo bem (eu acho) dar-se ao hedonismo entre uma e outra sessão de discussão sobre o porquê de a gasolina ter batido os R$8. No limite, inclusive, sentir prazer é uma forma de rebelar-se. Mas como é possível pensar em gastar 100 conto numa garrafa, ou em viajar pra visitar um produtor de vinhos com o quilo do pão francês a 20 surreais? Essa coluna não é pra ser um manual de finanças (pra isso indico o amigo Eduardo Amuri), mas há aqui espaço para algumas sugestões que podem dar vida à possibilidade de se rejubilar em tempos de confusão e gritaria.

Bacanal de Andros, Tiziano, 1524

A Wine Locals, por exemplo, reúne experiências do vinho oferecidas no sul e sudeste numa plataforma, mas não só. O site também sugere espaços urbanos como refúgios enoturísticos e considera o próprio lar como reduto possível para uma apreciação mais profunda e multi sensorial do vinho. Pra isso, produz conteúdo com dicas de como elevar o nível da apreciação em casa.

Na onda do enoturismo online, há produtores montando packs para enviar à clientela e guiá-la por degustações virtuais, há vinícolas fazendo tours online (inglês), há até consórcios de regiões vitivinícolas fazendo vídeo 360° (inglês) dos vinhedos. Um pouco além do campo do prazer (prazer do conhecimento, talvez?), no âmbito das lives, o Porto Protocol (inglês) junta especialistas do mundo todo para talks sobre a crise climática e, mais perto de casa, o Brasil de Vinhos, já agora em maio, traz à tela alguns nomes de peso para debater o vinho brasileiro.

Voltando aqui pra dimensão física, e falando de São Paulo, até boteco de vinho surgiu na esteira de deselitizar a bebida, mas wine bars sem frescura estão pipocando por todos os lados nas grandes cidades, e muitos já chegam com um core de responsabilidade social por trás das escolhas dos rótulos. Quem ama alguma coisa ama falar a respeito, por isso não se acanhe ao fazer perguntas ou pedir contação de história quando for a um deles. No Cepa, pra dar um bom exemplo, a querida Gabi Flemming traz ao Tatuapé uma trupe de pequenos produtores nacionais (não só de vinho) e conta com brilho nos olhos onde, quando, como e o que aconteceu pra que um rango delicioso e uma garrafa com propósito chegassem à sua mesa.

Existe beber sem olhar pro rótulo, sem degustar, sem dar a mínima pra nada que é ou já foi pra que o vinho acontecesse. E existe mexer-se um pouquinho, sem precisar gastar fortunas, para, devagar, adicionar camadas de desfrute. Do vinho e do que mais for. Esses detalhes fazem o pulo do consumo para a experiência, e por aí também circula o prazer.

Assinatura Lana Ruff Vinhos Única

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