Enoturismo no Oregon: 5 paradas em 5 povoações
Um pedaço de terra à Costa Noroeste Pacífica dos Estados Unidos, ao norte da Califórnia e ao sul do estado de Washington, retalhado em pequenos campos agrícolas de subsistência, densas florestas de coníferas, fazendas de larga escala e… vinhedos. É assim grande parte do Oregon, “um estado de fazendeiros” onde o consumo da matéria-prima local é proeminente na cultura e a distância entre a terra e a mesa parece menor.
No que se refere ao vinho, não é diferente. Faz pouco mais de meia hora que o Oregon se tornou produtor de vinhos, quando alguns viticultores californianos decidiram tentar a sorte nas terras frias onde se pensava que uva nenhuma amadureceria adequadamente.
Foi nos anos 1960, depois da Proibição, período em que o consumo de álcool foi proibido nos Estados Unidos, que alguns viticultores pioneiros plantaram na região Pinot Noir, Pinot Gris e Chardonnay, variedades francesas da região da Borgonha, onde as temperaturas tampouco sobem muito.
É verdade que, quando se pensa em vinho estadunidense, pensa-se em vinho californiano. E não é à toa. 80% da produção vitivinícola do país vem da Califórnia, que escoou cerca de 2 bilhões de litros em 2022*. Já o Oregon, pequeno mas portentoso, produziu 76 milhões de litros*, 26 vezes menos que o estado vizinho, embora já faça tão bonito quanto em degustações e cartas de grandes restaurantes ao redor do mundo. Tudo isso é análogo àquilo que define o Oregon enquanto identidade: uma linha delicada entre o rústico e o sofisticado.
Como são os vinhos do Oregon?
Seus vinhos, quando comparados aos californianos, são consideravelmente mais frescos: trazem mais acidez, menos extração, uso mais comedido da madeira e menos foco na fruta no que diz respeito aos aromas. Isso se deve aos critérios estilísticos gerais, ao clima e, sobretudo, à casta cartão-postal da região, Pinot Noir. Ao lado dos Pinots da Borgonha, os do Oregon se mostrarão mais volumosos e aveludados, com o caráter terroso que já virou identitário para os vinhos locais.
O Oregon tem cinco regiões vitivinícolas, cada uma delas com suas idiossincrasias. A vasta maioria da produção, no entanto, sai do Willamette Valley, onde se vem construindo a fama do estado a nível de vinhos. Protegido dos ventos frios oceânicos a oeste pela Cordilheira da Costa, e da influência desértica do leste pela Cordilheira Cascade, o vale se estende por cerca de 240 km ao longo do rio Willamette, que vai desaguar no rio Columbia, na fronteira com o estado de Washington.
Os solos são bastante variáveis, mas há algo extremamente consistente no clima: as chuvas.
O Willamette Valley é uma das regiões vitivinícolas com a maior precipitação no mundo, o que, com os solos certos, retarda o amadurecimento dos frutos nos verões ensolarados e prolonga o ciclo de maturação das uvas, favorecendo a produção de polifenóis (aromas, taninos e cor). Para quem sabe lidar com os desafios de um clima chuvoso assim, a recompensa é grande: tintos classudos e longevos de Pinot Noir, belíssimos brancos de Chardonnay, Riesling e Pinot Gris, além de grandes espumantes de método tradicional e o rosé mais caro do país – e um dos mais caros do mundo*.
Se deu pra suscitar interesse numa região de vinhos estadunidense que não seja a dispendiosa Disneylândia de Napa Valley, aí vão cinco paradas obrigatórias pra conhecer o Willamette Valley – esse pedaço de terra forrado de pinheiros e aveleiras e macieiras e pereiras e sequoias e carvalhos e amendoeiras e cerejeiras e amoreiras e videiras.
Portland
Reconhecidamente uma cidade onde é possível morar e ainda assim trabalhar numa vinícola, Portland fica a apenas uma hora de distância da porção central do Willamette Valley. Famosa pela cultura LGBT vibrante, pelos seus bairros super arborizados e por ser, dentre as grandes cidades americanas, a mais amigável para pedestres, a capital do Oregon é uma destinação deliciosa para quem adora um hype. No que tange à oferta de wine bars, não faltam opções. O Division Wine Bar, com o lema “vinho, comida e comunidade”, é um clássico com o seu menu rotativo e sazonal. Já o Bar Norman, num distrito residencial ótimo para caminhar, tem foco em vinhos naturebas e é navegado pela wine celeb Dana Frank, considerada uma das grandes cabeças da cultura vitivinícola de Portland. Por fim, quem pensa que enoturismo em cidade grande se restringe a wine bars se engana. O S.E. Wine Collective, com o Oui Bar acoplado, é “parte wine bar, parte restaurante, parte vinícola”. Eis uma bela oportunidade para entender como funciona uma vinícola urbana… e para provar os vinhos frescos do barril.
Dundee
Enquanto na Europa e em muitos outros países produtores de vinho a centralidade do enoturismo está nas visitas aos produtores, nos Estados Unidos o turismo de vinhos se baseia no modelo dos tasting rooms. Às vezes adjacentes à propriedade vinícola, às vezes um edifício completamente à parte, um tasting room, ou Sala de Prova, literalmente, é um espaço onde se pode degustar e comprar os vinhos de determinado produtor. Aqui vigora o pragmatismo de um país onde muito do desenho de suas experiências tem foco no consumo, por isso a ideia é simples: provar e comprar. A cidadezinha de Dundee, central na geografia social do Vale de Willamette, oferece algumas quantas opções de Tasting Rooms.
Carlton
O pequeno vilarejo de Carlton, com suas poucas mais de 2000 pessoas, guarda uma das paragens mais interessantes do vale. O Carlton Winemakers Studio é uma espécie de cooperativa em que 16 viticultores partilham do mesmo espaço para produzir cada um o seu vinho à sua maneira. O edifício leva materiais reciclados ou reutilizados, o que respalda o conceito de circularidade e colaboração por trás do projeto. Embora não seja tão simples conseguir uma visita às instalações, o CWS tem o seu próprio tasting room, onde se pode chegar e provar os vinhos dos produtores cooperadores, ou ainda reservar experiências de harmonização ou degustação comentada.
Dayton
Em outra cidadela minúscula onde moram 2000 pessoas e potencialmente o mesmo número de cachorros adestrados, um dos melhores restaurantes na Costa Pacífica Noroeste dos Estados Unidos prepara o seu espetáculo diário com produtos locais, sazonais, orgânicos e de pequenos produtores. A carta de vinhos tem mais de 500 entradas, 99% delas do Oregon e grande parte de safras antigas. Já o menu de comidas confia na diversidade que as mais de 150 diferentes culturas agrícolas da região proporcionam. A Joel Palmer House parece de fato a residência de uma família Doriana, mas é um reduto da boa comida e boa bebida com alto apelo para quem pauta seus hábitos alimentares em um princípio ético forte – e um poder aquisitivo ainda mais.
McMinnville
Não se visita o Willamette Valley sem dar uma passada em McMinnville, vilarejo de nome curioso e aparência ainda mais. Há uma rua principal, com árvores enfeitadas de luzes de natal o ano todo, onde está o grosso do comércio e da restauração, e ruelas adjacentes onde se espalham os tasting rooms dos produtores de vinho baseados no perímetro da vila. Numa dessas encontramos a Woodard Wines Independent Merchant, uma pequena loja de vinhos com sua belíssima seleção de rótulos locais e importados, comentada primorosamente pelo aficionado Jeff Woodard. E se bater a sede, o wine bar Hi-Fi, na rua principal, ostenta uma carta de vinhos repleta de nomes excitantes, além de uma seleção em taça extensa e rotativa.
Em qualquer uma dessas ou de outras cidades no Oregon, a hospitalidade só não é carro-chefe porque esse cargo é do vinho, mas a cultura oregoniana de receber bem é algo que se faz notar em todo lado. Alguns produtores favoritos: Antica Terra, Hundred Suns, Lingua Franca, Eyre Vineyards, Domaine Drouhin (da mesma família da Borgonha), Domaine Serene, 00 Wines, Day Wines. E, como nem só de vinho vive uma pessoa, convém prestar atenção ao valor paisagístico da região, famosa pelas florestas deslumbrantes de coníferas, pela biodiversidade extraordinária e pelos 3425 m de altura do Mount Hood, o vulcão que tudo observa mas nada comenta.