Entrevista com Iduna Weinert
Ela está à frente de uma das vinícolas mais emblemáticas da Argentina. A nossa entrevista do mês Única conversou com Iduna Weinert, da Bodega Weinert.
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Conte-nos um pouco da sua jornada profissional, e como foi sua entrada no vinho?
A vinícola foi fundada por meu pai, Don Bernardo C. Weinert, em 1975, e já quando eu nasci em 1981, já estava em pleno crescimento, com o qual sempre frequentei Mendoza, desde bebê, mas cresci no Rio de Janeiro. Durante as visitas a Mendoza a cada seis meses, durante as férias escolares, sempre houve a abertura em minha família para participar das reuniões de degustação e apresentação de novas safras. Já quando comecei a estudar química e práticas de laboratório no colégio, fazia o estágio de colheita junto a outros estudantes que era uma diversão. Porém quando terminei o colégio e me mudei do Rio a Buenos Aires, não estava em meus planos trabalhar com meu pai e na vinícola, pois tinha mais vontade de trabalhar com agropecuária ou produção equina. Recém em 2001, quando meu pai me convidou para acompanhá-lo a um Grand Annual Tasting em NY para atender o stand – ele não falava bem inglês – e tendo a oportunidade de conhecer distintos vinhos e, em particular, a Château Musar que achei super diferente e interessantíssimo, foi que comecei a me interessar mais pela indústria e todas suas facetas.
A partir dessa viagem a NY em 2001, comecei a participar de feiras de vinhos como promotora em Buenos Aires, tradutora de reuniões comerciais junto a meu pai com importadores especialmente dos EUA, Inglaterra, Suíça, continuava estagiando todos os verões em Mendoza durante a colheita, até que finalmente me uni a equipe comercial de Buenos Aires e comecei a me desenvolver na área de Comércio Exterior. Trabalhei ao lado de meu pai a cargo da exportação do ano 2003 a 2010, quando decidi dar um tempo no trabalho com a Weinert e voltar ao Brasil, em busca de uma experiencia profissional diferente que encontrei trabalhando na equipe comercial da Nespresso Brasil.
Em 2017 e perante o avanço da idade de meu pai quem faleceu em 2021 aos 89 anos, decidi que era hora de voltar para a Argentina e me dedicar a Bodega Weinert. Desde então estou a frente da área comercial e, junto a uma renovada equipe diretiva, dedicada a Weinert.
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Além de um consumo marcado por vinhos locais, quais as maiores diferenças entre o mercado de vinhos argentino e o mercado de vinhos brasileiro, em relação ao comportamento do consumidor?
Antes de comentar sobre as diferenças entre os consumidores brasileiros e argentinos, devo dizer que já é difícil generalizar os padrões de consumo entre regiões dos dois países! O padrão de consumo de SP é bem diferente daquele de Goiás por exemplo, e aqui na Argentina, o consumidor da Capital Federal é completamente diferente do consumidor de Rosário.
Mas em grandes rasgos, minha percepção é que nas grandes metrópoles como São Paulo e Buenos Aires, existe um consumidor muito curioso, acostumado a ver marcas novas e muito aberto a provar coisas diferentes. No caso da Argentina, existe uma espécie de “conhecimento tácito” sobre o tema VINHO, pois é um produto que está na mesa do argentino de forma normal, com o qual o argentino não procura tanta informação técnica como o brasileiro. No caso do Brasil, é surpreendente ver o nível de conhecimento e dedicação dos consumidores, que não somente desfrutam mas estudam, viajam, perguntam, leem…
Já em cidades menores, o padrão de consumo se torna mais tradicional, procurando produtos dentro de uma zona de conforto. Outra característica interessante do consumidor argentino é a relação emocional que se tem com o vinho. Recebemos varias mensagens sobre pessoas que se casaram com um Weinert, ou que tomava o Carrascal com o seu avô ou seu pai, e essa ligação afetiva que se tem com o vinho é algo que atravessa a Argentina, seja em cidades grandes, médias ou pequenas.
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O mercado de vinho é bastante glamourizado. Não é incomum as pessoas de fora acharem que o dia a dia do profissional desse setor é somente beber vinhos o dia todo. Quais são as atividades mais comuns do seu dia a dia, e que ninguém vê?
Todas rsrs. Para começar, a viticultura, que é a parte mais importante dos vinhos, ou seja, os vinhedos. É agricultura em sua essência, terra, sol, muito trabalho braçal, esperar que o clima acompanhe durante a safra, esperar que neve o suficiente durante o inverno para ter agua para a irrigação… Enfim, agricultura. E logo, os proceso do vinho nunca para. A safra é o momento de maior adrenalina e poucas horas de sono – o vinho nao para de fermentar a noite, assim que a bodega está sempre em atividade – com os controles pertinentes, as movimentos, as decisoes em base a desafíos que surgem. Além do mais é uma atividade de alto capital parado, mesmo vinhos brancos jovens, por exemplo, são 5 meses no mínimo de trabalho até que o produto esteja disponível para ser vendido, com o qual as decisões financeiras e comerciais requerem de muita análise e seguimento.
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Com relação à produção de vinhos na Bodegas y Cavas Weinert, sabemos que mesmo sendo reconhecida pela Malbec, a Argentina vai além da produção de vinhos com essa cepa. Quais outras castas são produzidas na vinícola e, qual/ quais em particular você aposta dentro da Argentina?
Do nosso portfólio clássico, produzimos como varietais as uvas Cabernet Sauvignon e Merlot desde final dos anos 70, além da uva Malbec que naquela época sequer era reconhecida como uma uva nobre pela indústria argentina. No mercado interno, de fato, nosso Weinert Merlot é um dos vinhos mais procurados por conhecedores, e uma das castas favoritas de nosso primeiro enólogo Hubert Weber. No ano 2004, começamos a produzir Cabernet Franc como varietal, de novo naquela época desconhecida, e exportávamos a totalidade para Suíça e Alemanha. Hoje o Weinert Cabernet Franc é um dos produtos de maior crescimento no mercado interno da Argentina e no Brasil. E há 3 anos atrás, começamos a produzir Pinot Noir de Gualtallary, no Vale do Uco, um vinhedo a 1500m de altitude para uma linha que neste ano chegará a SP em Julho chamada Montfleury.
Uma das características que mais me entusiasma da Argentina é o horizonte tão amplo que se tem. É um país produtor em plena adolescência, onde se permite procurar novas regiões, novas idéias, novas propostas constantemente. Assim que quem sabe não nos ampliemos a outras províncias…
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A Bodegas Weinert já é reconhecida internacionalmente pela super qualidade de seus vinhos, inclusive ganhando muitas medalhas e pontuações. Além de seguirem com esse trabalho árduo, mas também muito primoroso, que é a produção de vinhos, o que mais você gostaria de alcançar profissionalmente, ou mesmo pessoalmente, falando?
Espero nunca achar que já chegamos ao objetivo final. Sempre há algo mais a fazer. Fazemos uma distinção muito grande na Weinert sobre a diferença entre estilo e qualidade. O estilo, a personalidade de nossos vinhos é reconhecida e está bem definida. Porém estamos sempre procurando melhorar a qualidade de nossos vinhos. Investimos muito em analisar e melhorar processos de seleção, de vinificação, de movimentos de vinhos, pontos críticos como o engarrafado, e também levando isso a parte comercial: comunicação, serviço de pós-venda, marketing… Desde 2017 também estamos muito focados na sustentabilidade de nossos vinhedos, e promovendo programas de Comércio Justo onde uma prima das vendas é destinada a projetos sociais de educação alimentar como prevenção de doenças, desenvolvimento de escolas técnicas, conscientização de sustentabilidade ambiental, entre outros temas. A indústria vitivinícola vincula uma cadeia de produção que une trabalhadores de diversos perfil socio-econômicos, e consideramos sumamente importante aos que estao no alto da pirâmide, reconhecer a responsabilidade de comunicar e decantar na cadeia os valores sociais e culturais que são representados pelo vinho.
Ainda sobre esse ponto, procuramos ser embaixadores de uma herança cultural tradicional europeia em Mendoza, continuando com a tradição de crianza em tonéis que foi trazido por imigrantes italianos e espanhóis no final do século 19. Uma das características da indústria argentina que eu mais gosto é a diversidade que se encontra nos vinhos do país, assim que espero continuar aportando a essa diversidade com nossos vinhos de estilo clássico.
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O que a Iduna de hoje diria à Iduna no começo da carreira?
Trabalhe com a cabeça, não com os pés.