Entrevista com Paula Theotonio
Jornalista, sommelière e empreendedora. Esse mês a entrevista Única é com essa nordestina cheia de energia e projetos lindos de ver. O papo desse mês é com a super Paula Theotonio.
Conte como foi a sua entrada no mundo do vinho?
A entrada oficial nesse universo ocorreu quando fui convidada pela jornalista Linda Bezerra, em 2018, para ser colunista de vinho do Jornal Correio (de Salvador – BA). Falo oficial porque eu tinha, desde 2014, um blog de jornalismo gastronômico em Petrolina, chamado Terroir; onde o assunto vinho era recorrente. Além disso, eu já escrevia sobre gastronomia como freelancer para materiais de empresas e veículos renomados, como a Prazeres da Mesa. Como a ideia era fazer na coluna do Correio sob o ponto de vista jornalístico, não de especialista, topei na hora. Mas eu sentia falta de saber mais sobre vinhos e, inclusive, de não ser tão dependente de fontes para escrever conteúdos mais básicos. Então acabei fazendo um curso de sommelier pelo Instituto Federal do Sertão de Pernambuco e, em seguida, fiz a certificação WSET 2. De lá pra cá mudei o conteúdo nas minhas redes sociais, abri a Oxe Vinhos e passei a fazer alguns cursos e consultorias também. A verdade é que sinto que estou só começando!
Como nasceu a Oxe vinhos e quais os objetivos desta empreitada?
A história é cheia de detalhes, mas vou tentar resumir. Eu morava em Vitória da Conquista (BA), estávamos no auge da pandemia do coronavírus e o consumo de vinhos brasileiros era a bola da vez. Em conversa com o Fábio Neto, meu marido, que já trabalhava com gestão em hotelaria há cerca de 15 anos e queria novos rumos para a carreira, surgiu essa ideia de retornar ao Vale com uma loja virtual só de vinhos nacionais. Tudo fez sentido e embarcamos nessa aventura.
A proposta inicial era ser um negócio moderno, inclusivo, descontraído, que atingisse um público mais jovem e conectado.
Aí veio a ideia de usar o OXE, essa expressão tipicamente nordestina, mas sem apelar para uma identidade visual estereotipada. Um outro Sertão, mais hightech, mais punk. Também escolhemos produtos que os millennials acham irresistíveis, como rótulos coloridos e vinhos em lata. Acontece que montamos a adega num espaço colaborativo que já tinha um restaurante e o consumo local acabou se tornando nosso principal negócio. A Oxe, que havia nascido para ser ON, hoje é muito mais OFF, ainda que usemos o online para delivery e marketing. A ideia, claro, é expandir ainda nessa proposta colaborativa; mas ainda não abandonamos 100% a ideia de apostar mais em ecommerce. O que eu acho bacana é que sempre quisemos, mesmo no online, ser uma empresa que abraça todas as expressões do ser. Que rejeita ideias elitistas do vinho. Que destaca o vinho brasileiro como um produto de qualidade. E conseguimos manter essas premissas do nosso manifesto mesmo mudando a operação.
Paula Theotonio. Imagem: Divulgação
O que as pessoas ainda não sabem sobre os vinhos do Vale do Rio São Francisco e que deveriam saber?
São tantas coisas… Mas tem um fato que descobri recentemente e que, quando compartilho, deixa as pessoas embasbacadas.
Tem videira no Vale do São Francisco que foi plantada em meados da década de 80 e segue produzindo, chegando em breve à 100ª safra.
Se a conta não tiver batido aí em sua cabeça, é porque aqui temos até 2 safras e meia no ano. Em Pernambuco as videiras mais antigas em produção são as de Cabernet Sauvignon e de Chenin Blanc da Tropical Vitivinícola, plantadas em território que foi da pioneira Fazenda Milano, em 1983. São 40 anos e 100 colheitas de muito sabor! Na Bahia temos as videiras de Moscato Itália da Terranova, pertencente ao Grupo Miolo, que foram plantadas entre 1985 e 1986 pelo primeiro proprietário daquelas terras, um nissei chamado Mamoru Yamamoto. Acho que só isso já ajuda a desconstruir a ideia de que as videiras da região ficariam rapidamente improdutivas, que estão cansadas… Enfim, acho que as pessoas precisam estudar mais, escutar menos achismos que beiram a xenofobia e degustar mais os vinhos feitos aqui. Vir até as vinícolas para ver de perto esse milagre tecnológico que é a viticultura tropical no semiárido nordestino.
Por algumas vezes você manifestou um posicionamento contra as bebedeiras excessivas e as brincadeiras acerca de um consumo de bebidas alcoólicas de maneira desenfreada. Pode nos contar um pouco sobre como você lida com isso no seu dia a dia pessoal e profissionalmente? Você tem alguma prática dentro do seu trabalho para evitar o consumo desnecessário de álcool ou para alertar seus clientes e leitores?
Jessica, esse é um assunto mega delicado em nosso meio, né? Já cansei de ver post sobre açúcar do vinho suave e o quanto engorda; além de citações a artigos pouco confiáveis sobre compostos dos vinhos que seriam bons pra saúde, para evitar doenças etc. Mas ninguém gosta de postar que a OMS já declarou que não existe consumo de álcool seguro à saúde. No máximo falamos nisso quando abordamos as tendências de vinhos menos alcoólicos na Europa.
Esse assunto é “chato”, não dá like, não ajuda a vender. Não combina com o status de arte ou de bebida divina que muitos de nós insistimos em alimentar nesse mundo do vinho.
Nas minhas redes sociais e na minha coluna do Jornal Correio eu comecei a trazer esse assunto na pandemia, quando muita gente perdeu a mão e falava-se muito na relação do álcool com a nossa imunidade. Vez ou outra eu me posiciono e me recuso a compartilhar memes que brinquem com excessos. Enquanto proprietária de um bar de vinhos, confesso que ainda não encontrei maneiras de iniciar esse papo sem parecer inadequada. Porém, sempre que me perguntam sobre meu próprio consumo, conto que não passo de duas taças e dificilmente bebo durante a semana. Digo que prefiro qualidade a quantidade; que em eventos, descarto os vinhos sem pena; e que uma garrafa de vinho NÃO É porção individual.
O que a Paula de hoje falaria para a Paula de início de carreira?
Confie mais no seu feeling e no seu talento, estude MUITO e aproprie-se do que te faz única (algo que sigo dizendo pra Paula de hoje).