estados unidos além da california

Estados Unidos além da Califórnia

Desbravando outros Estados de um país com tamanho continental

A produção de vinhos nos Estados Unidos da América (EUA) não é uma novidade, o país destaca-se tanto pela produção quanto pelo consumo, sendo o quarto maior produtor, atrás da Itália, França e Espanha. Quando falamos de suas regiões vinícolas, rapidamente pensamos na Califórnia, e com razão, pois o estado é responsável por cerca de 85% da produção de vinho do país.


Todos os estados produzem vinho, incluindo Alaska e Hawaii. A área de plantação de vinhedos se estende por cerca de 400.000 ha abrangendo cerca de 30 estados, mas a vinificação ocorre em todos os 50 estados que contam com mais de 10.000 vinícolas. 

Antes de seguirmos, queria deixar claro que a Califórnia tem muita coisa legal para explorar. Estamos falando da maior produção americana e de um local com grande diversidade de clima, solos, uvas e estilos de produção. Entre as várias denominações, Napa Valley e Sonoma são as mais conhecidas, mas há um mundo de outras possibilidades californianas. Entretanto, neste artigo optei por falar de outros lugares, regiões talvez menos conhecidas em diferentes estados.

Para um melhor entendimento da estrutura das regiões dos EUA, cabe aqui explicar melhor como funciona o sistema de designação de origem do país, que é um pouco diferente do sistema Europeu.

estátua da liberdade

O que são as AVAs?

AVA é a abreviação de American Viticultural Area, traduzindo Área de Viticultura Americana. A definição diz respeito a uma região delimitada de cultivo de uvas com características geológicas e climáticas específicas que a distinguem das regiões vizinhas e afetam o modo como as uvas são cultivadas.

Na Europa as indicações de procedência visam proteger os nomes de produtos específicos para promover as suas características únicas, ligadas à sua origem geográfica, bem como ao know-how tradicional, isto é, os nomes de produtos registados como DOP (Denominação de Origem Protegida) apresentam ligações mais fortes com o local onde são fabricados e cada parte do processo de produção, processamento e preparação deve ocorrer na região específica.

Ou seja, a diferença entre as classificações Americanas e Européias consiste no fato de que no caso da AVA a ligação é com as características geológicas de um lugar e não com base no cultivo de determinadas uvas e estilo de vinificação. A maioria das AVAs está localizada em um único estado, mas algumas passam fronteiras entre estados quando os limites seguem as características geológicas dos rios e bacias. No caso da DOP a ligação é com um local específico e modo de produção específico.

Tendo isso claro, podemos começar falando do segundo maior produtor depois da Califórnia, o estado de Washington!

Washington

As primeiras uvas de Washington foram plantadas em Fort Vancouver pela Hudson ‘s Bay Company, em 1825, dando início ao esforço de cultivar uvas para vinho no estado. Já em 1854, variedades híbridas chegaram aos viveiros da região de Puget Sound e, em 1860, as uvas para vinho cresciam em Walla Walla Valley.

Washington tem praticamente duas condições geográficas que influenciam no clima, a proximidade do Oceano Pacífico, e mais para longe da costa, a cadeia montanhosa Cascade Range. As montanhas criam um isolamento impedindo que os ventos e umidade venham do mar. A maior parte dos vinhedos se encontram nessa área mais árida, na parte leste do estado.

As condições climáticas lembram as de um deserto, no qual as temperaturas são altas durante o dia, mas caem consideravelmente ao anoitecer, essa amplitude térmica possibilita um bom desenvolvimento das uvas, já que o calor permite uma boa maturação e as noites frias ajudam a reter bons níveis de acidez. Por conta dos baixos níveis de chuvas, a irrigação é essencial.

Mais de 80 variedades diferentes são cultivadas, sendo que a maior parte é de uvas tintas. Algumas áreas permitem um ótimo amadurecimento da Cabernet Sauvignon, outras permitem um desenvolvimento esplêndido da Merlot, outras variedades como Petit Verdot, Malbec, Mourvedre, Tempranillo, Sangiovese e Syrah também são cultivadas em pequenas quantidades. O clima quente e ensolarado leva a produção de vinhos com aromas de frutas maduras e alto potencial alcoólico. 


Entre as uvas brancas, a Riesling costumava ser a variedade mais plantada, porém as quantidades vem diminuindo. É mais comum a produção dessa casta em estilo meio seco, mas os produtores estão confiantes em experimentar produzir tanto vinhos mais secos como estilos mais doces, seja afetados pela botrytis ou icewine. Entre os produtores de Riesling, destaca-se Ste. Michelle Wine Estates. Outras uvas brancas encontradas em Washington são a Chardonnay, que vem ganhando um mais espaço, Pinot Gris, Gewurztraminer, Viognier, Sémillon e Sauvignon Blanc.

Tratando-se das denominações de origem, são 20 AVAs, sendo que Columbia Valley AVA é uma das principais cobrindo cerca de ⅓ do estado. Esse é um exemplo de denominação que cruza fronteiras, sendo divida entre Washington e o Oregon. Por sua grande extensão, existem divisões mais específicas, que são as sub-AVAs. Entre elas, Yakima Valley AVA é a mais antiga denominação de Washington e também uma das maiores sub-denominações de Columbia Valley; a uva mais plantada aqui é a Chardonnay. Horse Haven Hills AVA, também uma região menor dentro de Columbia, representa 25% da produção de uvas do estado, as uvas tintas são predominantes, especialmente Cabernet, Merlot e Syrah.


Em Walla Walla Valley AVA temos a maior concentração de vinícolas famosas do estado, Essa denominação também cruza fronteiras com Oregon, mas a maior parte se seu território se encontra em Washington. No canto noroeste do Estado está Puget Sound AVA, a única denominação localizada a oeste da cordilheira de Cascade Mountain, localizada perto da cidade de Seattle; variedades de maturação precoce se adaptaram bem aqui, um exemplo é a Müller-Thurgau.

Viu só, fizemos apenas uma parada e as possibilidades de descoberta de vinhos interessantes são inúmeras. E tem muito mais! Vamos para outro lugar agora.


Oregon

Situado no noroeste do Pacífico, este é o quarto maior Estado produtor de vinho nos EUA. Os primeiros vinhedos modernos foram estabelecidos nos anos 1960 e essas plantações logo se destacaram. Nessa década, David Lett plantou cinco hectares de Pinot Noir em Dundee Hills, agora uma AVA no norte de Willamette Valley. Em 1979, em uma degustação às cegas das Olimpíadas do Vinho organizada por Gault-Millau, o Eyrie Vineyards Reserve Pinot Noir 1975 de Lett ficou com o décimo lugar contra outros Pinot Noirs de todo o mundo.

O enólogo da Borgonha Robert Drouhin, da Maison Joseph Drouhin, organizou uma revanche, na qual o Eyrie Vineyards de 1975 ficou em segundo lugar, atrás do Chambolle-Musigny de 1959 de Drouhin. Muitos outros produtores rapidamente seguiram os passos de David, aprenderam seu ofício na Califórnia, mas estavam em busca de mais locais apropriados para fazer vinhos do estilo da Borgonha.

Com certeza podemos destacar a Pinot Noir aqui. Os vinhos geralmente são feitos em um estilo de corpo médio, acidez elevada, taninos médios com aromas de cereja vermelha, framboesa, ameixas e muita elegância. Outras castas que aqui se distinguem incluem a Pinot Gris, que pode ser feito tanto no estilo seco como meio seco, trazendo aromas e sabores de pêra, pêssego, melão e às vezes notas de nozes; os vinhos costumam ser encorpados com acidez moderada. A Chardonnay normalmente passa por alguma maturação em carvalho mais velho, que aporta menos aromas e sabores, e por conversão malolática influenciando no sabor e na textura do vinho.


A complexa geologia e topografia das áreas de vinhedos levaram à formação de 19 AVAs totalmente dentro do estado e quatro cruzando fronteiras. Começando pela região noroeste, temos Willamette Valley AVA, que tem 11 sub-AVAs e é responsável por 68% de todos os vinhedos do estado. Mais ao sul, temos Southern Oregon AVA com 5 sub-AVAs e 25% dos vinhedos; Red Hill Douglas County se evidencia por ser um vinhedo único que recebeu a classificação de AVA.

Três denominações multi-estaduais cruzam a fronteira Oregon-Washington, já vimos Columbia Valley e Walla Walla Valley, além dessa temos Columbia Gorge AVA, por fim também temos Snake River Valley AVA, que está majoritariamente em Idaho, mas tem uma pequena parte no Oregon.

New York

Opa, não estamos falando da cidade, mas sim do Estado de New York, localizado no canto nordeste dos EUA, tendo como fronteira Great Lake (Grande Lago) e o rio St Lawrence. Estamos falando do terceiro estado mais importante na produção de vinhos dos EUA.

Devido ao severo clima continental do norte do estado, as plantações foram feitas onde grandes massas de água teriam um efeito moderador nas baixas temperaturas, em particular ao longo do rio Hudson, nas terras que margeiam os Finger Lakes e ao longo da costa sul do Lago Erie. 

São 11 AVAs sendo que a principal está situada logo abaixo do lago Ontário, fazendo fronteira com o Canadá, estamos falando de Finger Lakes AVA. No passado, apenas as uvas nativas e híbridas muito resistentes ao frio sobreviviam ali, isso explica o porquê de até hoje as mesas serem predominantes. A escolha de variedades viníferas precisa levar em conta a resistência ao frio, entre as variedades mais bem adaptadas aqui plantadas temos a Riesling e a Cabernet Franc.

Em geral os Rieslings são feitos em diversos níveis de dulçor e com bons níveis de acidez; o teor alcoólico dos vinhos varia de acordo com o residual de açúcar. A Chardonnay é relativamente bem plantada para produção de vinhos tranquilos e espumantes. No caso da Cabernet Franc, os produtores estão usando cada vez menos madeira ou nenhuma; quando usam preferem espécies de carvalho europeu (Francês ou Hungaro) que aportam aromas e sabores mais sutis do que o Americano. 

Outra denominação de destaque é Long Island AVA, também é cercada por água – o Oceano Atlântico, a Baía Peconic e o Long Island Sound –  apresentando um efeito moderador que permite que nesta área seja possível amadurecer variedades tintas de Bordeaux, como Merlot, e outras incluindo Sauvignon Blanc, Pinot Noir, Gewurztraminer, Cabernet Sauvignon e Pinot Gris. Produtores significativos incluem Hermann J. Wiemer e Forge Cellars.

Virginia

O vinho teve um começo pouco promissor aqui, isso se deve tanto às pragas e doenças que ainda não eram tão bem conhecidas quanto às dificuldades relativas ao clima local mesmo. Com uma estação de crescimento relativamente curta é difícil de amadurecer as uvas, e ainda hoje em dia, tendo cerca de 80% das plantações de Vitis vinifera, os produtores lutam com as condições climáticas, seja por conta do verão quente e úmido ou dos invernos extremos, que podem matar as videiras.

Em Virginia são encontradas 8 AVAs e a maioria fica do lado leste das montanhas de Blue Ridge, a exceção é Shenandoah Valley AVA no lado oeste da serra. Em Central Virginia temos uma denominação com muita história, local onde Thomas Jefferson experimentou cultivar vinhas na sua propriedade de Monticello Estate em 1770. Monticello AVA fica situada ao longo das encostas de Blue Ridge, onde as lacunas nas montanhas proporcionam ar fresco que ajuda a garantir uma estação de cultivo mais longa do que as áreas circundantes, resultando em são uvas e vinhos de alta qualidade.

Entre as principais castas temos a Cabernet Franc, Chardonnay e Viognier. Algumas uvas impensadas são cultivadas em pequenas quantidades, aqui também encontramos Nebbiolo e Vermentino, assinaturas da vinícola Barboursville. Petit Verdot e Petit Manseng são especialidades mais recentes da região, porém que já têm feito sucesso.

Outros Estados


Estados como Arizona, Indiana, Iowa e Carolina do Norte, que não são muito notados quando se fala de vinho, também possuem vinícolas. Kentucky, Pennsylvania e Vermont produzem juntos mais vinho do que as regiões de Barolo e Barbaresco, embora não tenham o mesmo valor comercial que essas últimas.


Texas tem um lugar especial na história do vinho, o estado é o coração botânico da América e ali se cultivam algumas variedades do mediterrâneo como a Roussanne, Cinsault e Tempranillo. A vasta Texas Hill Country AVA é a segunda mais extensa dos EUA.

O Arizona tem duas AVAs, Sonoita e Willcox, que começaram produzindo as tradicionais castas de Bordeaux mas depois descobriram que algumas uvas espanholas e do Rhône se adaptavam melhor ao local.

No Colorado temos Grand Valley AVA onde se planta muito Riesling e Cabernet Sauvignon, e Syrah. Michigan possui uma região costeira do Lago Michigan que não é apenas bonita, mas também o lar de uma região vinícola. Dado o clima mais frio do estado, uvas como a uva austríaca Blaufrankisch são capazes de prosperar em. O Missouri é talvez mais famoso pela sua “Missouri Rhineland”, uma região vinícola colonizada pela primeira vez por imigrantes alemães. Hoje, o estado possui 4 AVAs diferentes e até uma “uva estadual” (a uva Norton).

Os Estados Unidos como um todo

Como dito no começo deste artigo, há muito para ser explorado nos Estados Unidos. Apesar de existirem possibilidades infinitas, a disponibilidade de alguns vinhos em determinados mercados pode ser escassa. Mas, justamente por esse motivo que quis trazer aqui um pouco mais sobre lugares não tão comuns.

Um ponto que vale sempre ter em mente é que ao olhar toda a história do vinho, os EUA são considerados produtores modernos. A indústria enfrentou uma série de dificuldades a começou a prosperar mesmo em meados dos anos 1970. Ou seja, muita coisa ainda está sendo aprimorada e outras estão no caminho para serem descobertas.

Deixo aqui um convite para que, quando surgir a oportunidade, apesar de haver um receio em encarar o desconhecido, não deixe de provar um vinho diferente. Você pode se surpreender.

Até a próxima!

Assinatura Estela Mayra Vinhos Única

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