Fato ou Fake: como identificar um vinho falsificado

Fato ou fake: a era da desinformação

O assunto dessa semana não poderia ser outro. Afinal, qualquer semelhança com a realidade política do nosso país não é mera coincidência. Acabamos de sair de mais uma eleição no Brasil marcada por muita desinformação e notícia falsa envolvendo todos os lados. Engana-se quem acha que as fake news são algo exclusivo do Brasil e do âmbito da política. Apesar de a cultura do “fake” ser algo que ultrapassa as barreiras do tempo, foi na revolução digital que a mesma encontrou seu holofote.

Segundo relatório de 2018 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),  o mercado de falsificados cresce a uma taxa de 15% ao ano. Comunidades digitais como o Instagram, onde quase 20% de todas as postagens do universo da moda levam a produtos falsificados, estão permitindo que os falsificadores aumentem sua visibilidade, vendas e receita. Isso porque atuam em plataformas oficiais nas quais os consumidores confiam e, acima de tudo, não colocam em questão a procedência da mercadoria. 

Fake News

Mas isso acontece no mundo dos vinhos?

Sim. Com vinhos, o problema se aplica da mesma forma. Afinal, um dos fatores mais influentes que impulsionou o aumento da falsificação dos vinhos são os avanços tecnológicos. A internet redefiniu a estrutura dos esquemas de produção de falsificados e de comercialização desses vinhos, e a capacidade dos consumidores de acessar uma gama de rótulos fraudados nunca foi tão fácil quanto é hoje. A despeito de qualquer hipocrisia, sabemos da existência de consumidores com a ciência do crime que estão cometendo ao comprar produtos duvidosos. Porém, o grande problema é que muitos não sabem que estão compactuando com o crime, sendo enganados para pagar um valor desproporcional por um produto fake.

O contrabando, o descaminho e a venda de vinhos falsificados são práticas que acontecem no mundo inteiro, mas nem sempre as diferenças ficam claras para quem está preocupado apenas com o vinho em si.

Caso 1: Contrabando

O contrabando é a entrada de produtos proibidos pela legislação no país. Se você encontrar, por exemplo, em algum supermercado do Brasil um vinho “azul” importado, com certeza ele estará lá sem ter passado por uma aprovação do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), portanto faz parte de um esquema de contrabando. Afinal, o vinho azul tem sua importação e comercialização proibida no território brasileiro, uma vez que apresenta um corante artificial não aprovado pela Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Caso 2: Descaminho

Já no caso daquelas  “listas especiais” com preços arrasadores de vinhos argentinos e chilenos que correm pelo WhatsApp, o assunto é outro. Quando vir essas promoções desarrazoadas, desconfie sempre do descaminho dos vinhos. Ou seja: as garrafas entraram no país sem a devida burocracia e pagamento dos impostos e é por isso que eles apresentam uma vantagem competitiva comercial tão grande. Ambas práticas são ilegais e criminosas. De acordo com dados da Receita Federal, mais de R$90 milhões em vinhos irregulares foram apreendidos em 2021 no Brasil.

Caso 3: Falsificação

E os vinhos falsificados, onde entram nessa equação? Eu costumo dizer que esses são como a tabuada do 7: quando você acha que já aprendeu tudo, vem ela para te desafiar. Os vinhos falsificados colocam até os maiores especialistas do mundo do vinho em cheque. Afinal, eles podem estar dentro das práticas de contrabando, dentro dos carregamentos de vinhos descaminhados, mas ainda assim podem estar numa loja de ótima reputação na esquina da sua casa, onde um comerciante idôneo pode ter comprado para revender o produto sem ciência da falsificação.

Segundo um relatório do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), o comércio de vinhos e destilados falsificados custam à indústria global US$3,18 bilhões em vendas diretas, e o impacto está em todos os cantos da indústria. Estima-se que o comércio ilícito resulta em uma redução de 7% de produtos legítimos e a perda de mais de 7.000 empregos na indústria de bebidas alcoólicas.

Homem lendo noticia no celular

Caso pra Hollywood

Dia 8 de março de 2012, na Califórnia, o FBI prendeu o indonésio Rudy Kurniawan, num dos casos mais emblemáticos de falsificação de vinhos no mundo. Pra quem se interessar mais, a história dele, inclusive, virou um livro e um documentário chamado “Sour Grapes”. O que aconteceu foi que ele foi descoberto a rotular o Clos St. Denis Grand Cru com uma safra fictícia e a oferecer mais magnums da edição limitada de 1947 do Château Lafleur do que havia sido produzido originalmente pela vinícola. Estima-se que ele tenha vendido cerca de 12 mil garrafas falsificadas de marcas ultra-premium, sendo a maioria vinhos de Bordeaux e Borgonha, duas das regiões mais caras do mundo. Condenado a 10 anos de prisão em 2013 nos Estados Unidos, ele foi libertado em novembro de 2020 e deportado para a Indonésia. O caso Rudy foi uma tragédia na indústria vinícola no ponto de vista de controle e avaliação de procedência dos produtos, embora suas falsificações engarrafadas tenham ido a leilão em casas de prestígio, como a Christie’s de Beverly Hills.

Como diz a boa e velha sabedoria popular, “depois da tempestade vem a bonança”. Não existem dúvidas de que o caso Rudy foi um divisor de águas na indústria de vinhos. Prova disso é que, em 2012, exato ano em que Rudy foi descoberto, a revista do setor Drinks Business nomeou Maureen Downey uma das 50 mulheres mais poderosas do vinho. Se você não sabe quem é Maurren Downey, está na hora de descobrir uma das maiores autoridades do mundo quando o assunto é vinhos falsificados. Fundadora da empresa WineFraud. Maureen aconselhou o FBI e o Departamento de Justiça dos EUA em vários casos de falsificação de alto perfil, incluindo o de Rudy Kurniawan.

Hoje ela educa colecionadores sobre como evitar vinhos fake e quais as melhores formas para que as vinícolas se previnam de casos como esse, lembrando sempre que não são apenas os ultra-premiums que são alvos dessa prática. Em uma entrevista dada à Meininger’s Magazine (publicação de negócios alemã) em 2018, Maureen diz: “Existe muito mais vinho falsificado por aí do que as pessoas querem acreditar. Lançamos o WineFraud.com em 30 de setembro de 2015 e tivemos cerca de 300 fraudes de vinho relatadas sobre vinho falsificados e adulterados; hoje, provavelmente, estou exposta a mais de 1000 garrafas de vinho falsificadas por ano; mês após mês, vejo relatos de vinhos falsificados para supermercados do Languedoc, na França; tivemos recentemente meio milhão de garrafas de vinhos simples de Bordeaux falsificadas.

“Estima-se que o vinho falsificado seja uma indústria de US$65 bilhões e que possa representar até um quinto de todas as vendas de vinhos”

De acordo com um relatório da Recorded Future (empresa especializada na coleta, processamento, análise e disseminação de inteligência de ameaças de mercado), estima-se que o vinho falsificado seja uma indústria de US$65 bilhões (dados de janeiro de 2020 a junho de 2022) e que possa representar até um quinto de todas as vendas de vinhos. Seguindo a mesma visão de Maureen, o relatório reporta que a fraude de vinhos de alta qualidade, na verdade, representa uma porcentagem muito pequena do total de fraudes, sendo a maioria delas de rótulos para consumo diário. De fato, das mais de 93 milhões de garrafas falsificadas que a Recorded Future conseguiu rastrear no período em questão, menos de 5 mil foram confirmadas como vinhos premium. No entanto, o relatório chama a atenção para um possível “bias” de pesquisa. Isso porque muitos desses relatórios são feitos pela polícia após rastrear os falsificadores, mas quando um colecionador sofre uma fraude, ele pode não estar ciente disso ou, se estiver, pode ter vergonha de denunciar a fraude publicamente. Na verdade, as garrafas falsificadas de vinhos premium muitas vezes são recicladas no mercado à medida que são revendidas pelos colecionadores para outros colecionadores.

E agora, José?

Se você chegou até aqui, deve estar se perguntando qual a solução para esse apocalipse anunciado. Da mesma forma que a tecnologia exponencializa a venda de produtos duvidosos, sejam eles contrabandeados, descaminhados ou falsificados, é a própria tecnologia que ajuda no combate dessas práticas. Marcas d’água, tinta anti-falsificação, hologramas, tinta que muda de cor, blockchain, microimpressão e tecnologias no código de barras são algumas das tecnologias anti-falsificação disponíveis no mercado atualmente. Todos esses recursos são responsáveis por um rastreamento eficiente de toda cadeia de distribuição de uma garrafa. A cultura do rastreamento que se instaurou desde o produtor até o consumidor final permite uma redução de produtos falsificados em várias etapas da distribuição.

“Marcas d’água, tinta anti-falsificação, hologramas, tinta que muda de cor, blockchain, microimpressão e tecnologias no código de barras são algumas das tecnologias anti-falsificação disponíveis no mercado atualmente”

Enquanto os avanços tecnológicos não previnem 100% as falsificações de vinhos, existem algumas dicas às quais você, como consumidor(a), pode se atentar. A principal é sempre tomar cuidado com os vinhos “unicórnio”. Ou seja, nunca compre deals que parecem bons demais para ser verdade sem antes verificar os fatos. Por exemplo: se o seu vendedor sugerir uma garrafa de cinco litros de Château Cheval Blanc safra 1947, pule fora. Por quê? Porque o tamanho não foi introduzido em Bordeaux até 1978. Procure sempre saber se o local onde você compra é realmente gerido por especialistas e descobrir de onde os rótulos mais raros vieram. Procedência ajuda não só a certificar que o vinho é verdadeiro, como a ter certeza de que a qualidade do vinho não foi violada.

Crime ou estratégia?

Quem me conhece sabe quão cética eu sou quando o assunto são vinhos antigos e ultra premium. Existem aqueles que argumentam que o mercado da falsificação é o que faz essas marcas aspiracionais serem tão desejadas mundo afora. Afinal, só dar a oportunidade para algumas pessoas “acharem” que já consumiram certos vinhos faz com que o prestígio da marca e a escassez/raridade aumente. A minha visão é muito mais lacônica nesse sentido: para mim vinho falsificado é crime. O mercado de vinhos deveria não só falar mais sobre esse assunto, como educar os consumidores para se proteger por meio de cursos, tutoriais, influenciadores/as, etc. Termino concordando com Madeleine Scudéry (escritora francesa), que sabiamente diz: “a desconfiança é a mãe da segurança”. Antes de compartilhar informações ou comprar algo, cheque os fatos e não caia em fake.

Assinatura Karene Vilela Vinhos Única

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