Harmonização com Pinotage, a uva símbolo da África do Sul
A produção de vinhos na África do Sul, por incrível que pareça, ainda exala descrenças relacionadas à cultura vinífera do território. Reconhecido mundialmente por ter na vinicultura uma das mais antigas tradições, o país, no entanto, teve durante décadas este importante traço cultural ofuscado pelo Apartheid, regime de segregação racial que vigorou no país durante o século XX e que teve fim com a simbólica figura de resistência de Nelson Mandela.
Desde o século XVII vinhos têm sido produzidos na África do Sul, ainda que a possibilidade de ampliação do mercado exportador tenha ocorrido principalmente no pós-Apartheid e isso tenha permitido ao mundo perceber a fácil adaptação de uvas europeias neste território de clima muito bem definido, com invernos frescos e verões quentes com sol.
Os vinhos sul-africanos têm se expressado por meio de uvas diversas como as brancas Chenin Blanc, Chardonnay e Sauvignon Blanc, e as tintas Cabernet Sauvignon, Shiraz e Merlot. De qualquer forma, se o país pode dizer que tem uma uva emblemática, ainda que mais pela sua história do que pela extensão de seu cultivo, essa certamente é a Pinotage.
Diferente desde a sua origem, em comparação a tantas outras uvas inseridas no país, a Pinotage é originária da própria África do Sul e surgiu a partir do cruzamento entre Pinot Noir e Hermitage (como é chamada a Cinsault no Vale do Rhône), feito pelo químico e viticultor Abraham Izak Perold, no ano de 1925. Apesar de ser considerada uma casta que, em seu cultivo, demanda atenção redobrada e não costuma render alta produção, a Pinotage hoje garante números expressivos, sendo uma das tintas mais plantadas no país e responsável por uma imagem de símbolo nacional da vinificação sul-africana.
A casta tem características em boca que não são unânimes no agrado da maioria do público, ainda que renda vinhos considerados fáceis de beber. Nas minhas experiências com Pinotages sul-africanos, os vinhos costumam se apresentar encorpados e com taninos macios. A cor é de um tom escuro e, no que diz respeito aos aromas, estes podem vir a surpreender conforme o envelhecimento, que já aproveito para destacar, é um ponto alto dos vinhos de Pinotage, perfeitos para guarda. Ainda a este respeito, as frutas vermelhas são presentes e com personalidade, porém, algo que chama atenção são as possíveis notas de frutas como manga e banana.
Este é um vinho daqueles que conseguem “segurar a onda” de pratos com personalidade e temperos marcantes. Levando em consideração as características deste emblema da viticultura nacional africana e a potência da cultura alimentar do país, nossa harmonização seguirá o caminho da regionalidade, com um prato que também representa e é originário da África do Sul: o Bobotiê.
Preparado com carnes muito bem temperadas com uma boa mescla de condimentos e especiarias, essa espécie de bolo de carne apresenta ainda um dulçor facilmente justificado pela presença de frutas secas, tal qual um leve toque tostado em virtude de sua finalização, gratinada. Bobotiê é definitivamente um dos meus pratos africanos favoritos e surpreende pela facilidade no preparo e explosão de sabores que carrega. Trata-se de uma dessas harmonizações que devem ser reproduzidas e registradas como favoritas, pois não tem como dar errado.
Então, sem mais delongas e na esperança de que este conteúdo lhes tenha permitido um olhar abrangente para a Pinotage, com intenção de aguçar a curiosidade para toda a produção vinícola da África do Sul e de buscar também mais informações a respeito da culinária local, aqui eu encerro. A receita do Bobotiê vai de brinde, então não tem desculpa para não testar essa feliz harmonização.
Ah, e eu quero saber o que acharam depois! Para o vinho, também deixei indicações. Aproveitem, brilhem muito.
Até a próxima!
BOBOTIÊ
Ingredientes:
– 1kg de carne moída ou picada na ponta da faca
– 2 fatias de pão de fôrma sem casca
– 200ml de leite integral
– 2 ovos
– 100g de manteiga
– 20ml de suco de limão
– 1 cebola finamente picada
– 2 dentes de alho finamente picados
– 1/2 colher (chá) de curry em pó
– 1/2 colher (chá) de açafrão da terra (cúrcuma)
– 1/4 colher (chá) de cominho em sementes
– 1/2 colher (chá) pimenta do reino moída
– Sal a gosto
– 50g de uvas passas
– 50g de damascos
– 1 colher (sopa) amêndoas descascadas e tostadas
– Folhas de louro
Preparo:
- Pré aqueça o forno a 170 graus.
- Em um prato fundo coloque as fatias de pão e umedeça com 100ml do leite. Reserve.
- Em uma frigideira, derreta a manteiga e refogue a cebola e o alho. Cozinhe por uns dois minutos e então adicione o curry, o açafrão da terra e a pimenta. Cozinhe por mais um minutos. Reserve.
- Drene o leite do pão e o adicione à carne moída. Adicione na sequência o refogado de cebola e alho, suco de limão, as amêndoas tostadas e cortadas, as passas e o damasco. Misture bem e ajuste o tempero.
- Unte um refratário e disponha as folhas de louro.
- Bata os ovos com o leite restante e reserve.
- Após misturar bem a carne, disponha ela no refratário, em cima das folhas de louro, como se fosse um quibe de travessa. Despeje a mistura de ovos e leite por cima da carne e leve ao forno por 40 minutos aproximadamente.
- Quando estiver dourado e cozido, retire do forno e sirva.
VINHOS
Kanonkop Kadette Pinotage
– Produtor: Kanonkop
– País: África do Sul
– Safra: 2018
– Teor alcoólico: 14,5%
Durbanville Pinotage
– Produtor: Durbanville Hills
– País: África do Sul
– Safra: 2017
– Teor alcoólico: 14,5%