Monopólio. Pode isso, Arnaldo?
Monopólio
substantivo masculino
1.
ECONOMIA
privilégio legal, ou de fato, que possui uma pessoa, uma empresa ou um governo de fabricar ou vender certas coisas, de explorar determinados serviços, de ocupar certos cargos.
2.
ECONOMIA
comércio abusivo que consiste em um indivíduo ou grupo tornar-se único possuidor de determinado produto para, na falta de competidores, poder vendê-lo por preço exorbitante.
Entre os nossos amigos Michaelis, Houaiss e o famoso Aurélio, todos conceituados dicionários da língua portuguesa, a regra é clara: monopólio é um privilégio legal ou um comércio abusivo. E a pergunta que não quereria calar se tivéssemos todos em uma partida de futebol é: pode isso, Arnaldo?
O monopólio é proibido no Brasil. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 173, inciso IV, proíbe o abuso do poder econômico que visa à dominação dos mercados e a eliminação da concorrência. Nesse cenário, cabe ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) fiscalizar o cumprimento da legislação no Brasil. O CADE é capaz de punir empresas que praticam atos de concentração econômica, que são atos que podem levar à formação dos monopólios.
Quando pensamos no segmento de vinhos, a indústria brasileira e a nossa distribuição é extremamente fragmentada, assim como em outros mercados mundo afora. Mas os monopólios de vinhos não são proibidos em todos os lugares e, atualmente, desempenham em muitos países um papel importante em antecipar tendências e controlar o consumo de bebidas alcoólicas.
Os monopólios mais famosos do mundo vínico estão nos países nórdicos e no Canadá.
Nos últimos anos, muitas discussões acerca da importância de intermediários na indústria já foram debatidas. Em 2012 veio o primeiro choque com o Château Latour deixando o famoso sistema “en primeur” de Bordeaux. Agora no começo de julho de 2023, a Suprema Corte Sueca estabeleceu que as importações online privadas não violam a Lei Sueca do Álcool desde que seja uma empresa estrangeira que venda o vinho a consumidores na Suécia. Ou seja, vinícolas e distribuidores europeus podem, agora, vender diretamente para os consumidores suecos sem nenhuma penalidade, passando por cima do sistema de distribuição deles.
O mundo pós-pandêmico está mudando exponencialmente, e os monopólios que ainda existem precisarão não só se adaptar às mudanças, como liderá-las para sobreviverem.
Quem são esses monopólios e onde estão?
Noruega
O mercado de vinhos na Noruega funciona sob um monopólio estatal, conhecido como Vinmonopolet. Fundado em 1922 e propriedade do Ministério da Saúde e Bem-Estar do país, o Vinmonopolet detém o exclusivo direito de comercializar bebidas alcoólicas com teor superior a 4,75% em toda a nação escandinava, abrangendo vinho, cerveja e licores.
Esse monopólio se estende por quase toda a Noruega, com poucas exceções, como na ilha de Svalbard, onde empresas privadas têm permissão para vender álcool. O Vinmonopolet desempenha um papel crucial na importação, estoque e distribuição de todos os vinhos disponíveis no país. Para os produtores que desejam ingressar nesse mercado restrito, é necessário participar de concursos lançados pelo Vinmonopolet seis vezes ao ano, nos quais a empresa específica suas necessidades e solicita amostras dos produtos. Com uma equipe de cerca de 4.000 funcionários e uma rede de aproximadamente 350 lojas de vinhos espalhadas por toda a Noruega, o monopólio também realiza dezenas de feiras e eventos anualmente para promover os vinhos dos produtores dentro do país.
Suécia
Historicamente, o monopólio sueco controlava tanto a venda direta ao consumidor quanto o abastecimento de restaurantes e bares no país. No entanto, hoje em dia, as vendas para estabelecimentos comerciais são intermediadas por importadores, sendo os mais conhecidos o Finland’s Altia, o Viva Group e o Oenoforos Group, com cerca de 50 players atuando em todo o território nacional.
A instituição que detém o monopólio estatal de varejo de bebidas alcoólicas é a Systembolaget, responsável pela comercialização direta ao consumidor final. Com uma rede de quase 450 lojas e mais de 490 agentes que possibilitam a retirada de pedidos online, eles dominam o mercado de venda de vinhos no país.
No entanto, sua posição de liderança está sob ameaça devido às recentes mudanças na legislação. O novo julgamento pela suprema corte permitiu que cidadãos suecos comprem bebidas alcoólicas de empresas localizadas fora da Suécia, o que coloca em risco o monopólio exercido pela Systembolaget. Essa transformação no cenário pode representar desafios significativos para a empresa, que agora enfrenta concorrência estrangeira direta e precisa se adaptar para manter sua relevância no mercado sueco de bebidas alcoólicas.
Finlândia
Apesar de ser o menor dos mercados escandinavos, a Finlândia é tradicionalmente conhecida como um país de grandes apreciadores de cerveja. No entanto, desde a década de 1980, o vinho tem ganhado espaço na preferência dos finlandeses, representando atualmente cerca de 20% do consumo total de álcool. Ainda assim, as estatísticas oficiais não refletem completamente o consumo real de vinho, já que muitos optam por atravessar a fronteira para a Estônia em busca de preços mais baixos.
De qualquer forma, o aumento de consumo tem sido impulsionado em parte pelo monopólio estatal Alko, responsável pela maioria das vendas de vinho no país. O Alko, com quase 360 lojas e 2500 colaboradores, é uma espécie de supermercado-monopólio do governo, mas, diferente do Systembolaget e do Vinmonopolet, não é o Alko que seleciona os vinhos para o país. Na Finlândia existem importadores atrelados ao Alko, sendo o principal deles o Grupo Anora, criado a partir da fusão entre a finlandesa Altia e a norueguesa Arcus ASA. A Anora possui empresas produtoras e importadoras e gere cerca de 40-55% do portfólio da Alko. Além desses grandes players, o mercado ainda conta com importadores menores para produtos de nicho para atender o canal horeca e vendas online.
Canadá
No Canadá, o governo provincial detém o monopólio sobre a importação, distribuição e venda de vinhos. A maioria das vendas acontece através das lojas de vinho do próprio governo, operadas por cada província. O objetivo principal do país é controlar o consumo de álcool e gerar receita para o governo. As lojas mais famosas são a SAQ, na província de Quebec, e a LCBO, na província de Ontário.
Elas têm suas operações totalmente separadas, e cada loja do governo de cada província decide o que importar e vender. Contudo, existem algumas exceções a esta regra. Por exemplo, em Alberta, o governo federal permitiu que as lojas privadas vendessem vinho. Mesmo assim, a maioria dos vinhos vendidos no Canadá são vendidos pelas lojas de vinho do governo.
Quebec
A SAQ (Sociedade de Álcool de Quebec), enquanto principal importadora de vinhos e destilados do Canadá, possui um monopólio significativo na distribuição e venda de álcool. Propriedade do governo, a SAQ tem uma participação de 58% nas vendas de álcool em volume, sendo 71% provenientes de vinhos. Seus números de vendas só crescem, totalizando impressionantes 2,5 bilhões de dólares em 2022. Apesar dos desafios enfrentados pela indústria durante a pandemia, as vendas de vinhos mantiveram-se estáveis em volume, porém com um aumento notável de 6% em valor, mostrando a solidez do mercado de bebidas sob a tutela da SAQ.
Ontário
A LCBO é uma agência governamental que opera como órgão de controle de bebidas alcoólicas em Ontário. É ela a responsável por atender a província mais populosa do país, com uma população de quase 14 milhões. Para além disso, o mercado de bebidas alcoólicas em Ontário é super próspero, e a LCBO desempenha um papel crucial nesse setor, sendo responsável por aproximadamente 80% das vendas de vinhos na região. Operando uma extensa rede de varejo, a LCBO conta com cerca de 670 lojas espalhadas por Ontário, incluindo a divisão de vinhos LCBO e a boutique de vinhos premium Vintages. As decisões de compra são tomadas por meio de um processo que envolve um comitê, no qual um grupo de compradores avalia os vinhos com base em critérios diversos, resultando em seleções super criteriosas.
Afinal, monopólio sim ou monopólio não?
Para quem tinhas dúvidas se monopólios existem, fica mais que claro que não só existem, como movimentam muito volume e muito dinheiro dentro da indústria de vinhos. É inegável que os monopólios de vinho em diversos países apresentam uma série de vantagens para o controle do consumo de álcool, o que é uma forma de abraçar uma tendência mundial de forma fervorosa. Em países como Noruega, Suécia e Canadá, essas políticas regulam o consumo de álcool, contribuindo para a saúde do consumidor. Além disso, esses monopólios têm sido pioneiros na promoção de práticas sustentáveis, incentivando a produção de vinhos orgânicos e adoção de garrafas mais leves, reduzindo o impacto ambiental. Através do controle governamental, questões relacionadas à saúde pública e segurança do consumidor são mais facilmente monitoradas e controladas, resultando em um ambiente mais seguro para todos.
No entanto, os monopólios vêm sofrendo muito criticismo nos últimos anos. Os preços dos vinhos muitas vezes podem ser mais altos do que em um mercado competitivo, o que pode ser uma desvantagem para os consumidores, especialmente para aqueles que buscam opções mais acessíveis. Além disso, o monopólio limita a variedade de vinhos disponíveis, deixando os consumidores com menos opções para escolher além do que é oferecido pelo governo. Em um contexto de livre mercado entre países, a política de monopólio pode ser vista como uma restrição ao liberalismo econômico, gerando debates sobre a liberdade de escolha e a concorrência justa.
Apesar de todas as críticas, esses governos têm mantido suas posições, acreditando que os monopólios são do interesse público e buscam equilibrar o controle do consumo de álcool com a geração de receita governamental Mas quem me conhece já sabe que, quando tem assunto por aqui, é porque temos que acompanhar cenas dos próximos capítulos.
Se hoje eu fosse o Arnaldo, responderia: a regra é clara! Agora, veremos quando vai mudar a regra, porque ela com certeza vai mudar. 😉