Entrevista com Patrícia Binz
Diretora de Marketing da ABS-RS e empresária, Patrícia Binz fez recentemente uma expedição para a Austrália e Nova Zelândia. Durante a jornada, visitou inúmeras regiões produtoras e vinícolas e voltou para o Rio Grande do Sul com muita história pra contar. Ela nos relatou como foi parte dessa viagem na entrevista abaixo.
Como foi a sua entrada no mundo do vinho?
Eu sempre gostei de beber um bom vinho, e comecei estudando por curiosidade, como boa parte das pessoas. Mas por trabalhar com gastronomia, quando via meus alunos entregando tanto em um prato, sentia a falta de poder enriquecer ainda mais a experiência de quem participava dos nossos eventos. Nesse momento comecei a me dedicar mais aos vinhos, e como curiosa que sou, logo fui fazendo cursos, certificações e conhecendo pessoas. Desde lá sempre tive muito interesse em aprender, adorava ajudar a servir vinho e ficar escutando os profissionais com tanta bagagem de conhecimento. Com a disposição e o entendimento que o processo de aprendizagem e treino é contínuo, logo me adaptei ao mundo do vinho e a paixão não me deixou sair mais. O que, principalmente, foi a entrada oficial, foi fazer o curso de sommelier presencial da ABS-RS, a gente sabe que esse curso muda a vida de muitas pessoas. A minha realmente mudou. Por ter um mestrado em turismo, comecei fazendo experiências de vinhos da Serra Gaúcha para turistas no Vale dos Vinhedos e em Gramado-RS, pelo Airbnb, era extremamente gratificante ver a felicidade das pessoas. E a minha também, o vinho une tudo que eu amo e estudei em minha vida: gastronomia, turismo, marcas e pessoas.
Você e um super time de profissionais do mercado fizeram uma viagem incrível a diferentes regiões vinícolas da Austrália e Nova Zelândia. Como surgiu essa viagem e como foi a montagem do roteiro?
Essa foi uma missão técnica do corpo docente da Associação Brasileira de Sommeliers da seccional Rio Grande do Sul (ABS-RS). Todo o planejamento é realizado com o intuito de capacitar e atualizar os professores sobre a região visitada e é feito com bastante antecedência. Nos últimos três anos de gestão esse foi um projeto muito bem estruturado e executado, fizemos missões técnicas no Brasil, na França, e a última na Oceania. Os dois últimos países visitados são alguns dos temas recorrentes nas aulas e atividades da ABS-RS, e por isso, pensamos que uma vivência no local poderia melhorar ainda mais o nível desses conteúdos. Sabemos da importância de visitar regiões de produção de vinhos, algo que todo o corpo docente faz rotineiramente, mas que dentro desse projeto todos pudessem aprender mais juntos e se tornassem ainda mais capacitados para falar sobre o cenário vitivinícola de cada local.
O planejamento iniciou com mais de um ano de antecedência, alguns professores iniciaram o contato com produtores, assim como com a Wine Australia e a New Zealand Wine para nos dar o suporte.
Esse roteiro exigiu uma dedicação imensa, pois tínhamos que viabilizar uma viagem que desse conta da maior parte possível de regiões e de produtores, com bastante deslocamento, mesmo internamente nos dois países, e lidar com diversos fusos horários.
O contato foi feito com cada produtor, e eles foram incrivelmente hospitaleiros conosco. Foram mais de 35 vinícolas ao todo. Mas um roteiro bem elaborado é o segredo do sucesso da viagem, nossos professores têm muita experiência nisso, fomos com tudo exatamente cronometrado e deu tudo muito certo.
Você é uma super estudiosa do vinho, mas, de tudo o que você viu e viveu por lá, o que mais te chamou a atenção por ser novo/ pouco visto por aqui/ pouco discutido?
O primeiro ponto que gostaria de destacar é a consciência de sustentabilidade. Isso é tão óbvio para os produtores e as pessoas no geral que a gente se sente até inadequado ao se surpreender. E é sobre tudo, do não uso de sacolas plásticas a vinhedos orgânicos e biodinâmicos. O que, no início, mais me deixou intrigada foi a falta de interesse em usar esses sistema sustentáveis do vinhedo em qualquer comunicação da marca. Não é sobre marketing, é sobre responsabilidade social e ambiental. Eles têm pouco interesse em mostrar que fazem práticas sustentáveis e muito interesse em fazer acontecer, em tornar viável dentro de um sistema nacional e que essas ações sejam realmente efetivas. A maior parte dos produtores não tem certificação orgânica ou biodinâmica, por mais que utilizem esses sistemas, mas geralmente se enquadram no Sustainable Winegrowing New Zealand ou no Sustainable Winegrowing Australia. Para quem quiser saber mais, basta acessar os websites: https://www.nzwine.com/en/sustainability/swnz/ ; https://sustainablewinegrowing.com.au/
Outro ponto a ser destacado na Austrália é a preocupação em relação a phylloxera e a riqueza de possuírem o maior acervo do mundo de vinhas antigas. A maioria das regiões que visitamos é phylloxera free, sendo assim, pudemos visitar apenas alguns vinhedos e somente após realizarmos um processo de higienização dos calçados. Não é permitido que qualquer pessoa caminhe entre os vinhedos, algo super comum que se faz nos destinos enoturísticos. Tudo em prol da prevenção de contaminação do local. Caso você queira saber mais sobre os vinhedos antigos da Austrália e refletir mais sobre aquela discussão do mundo do vinho “O que se considera uma vinha velha?” recomendo um documento que você pode acessar em https://www.wineaustralia.com/getmedia/c67b178e-2e72-4a0d-a364-192b37009c84/AWD_OldVines_FacilitatorGuide.pdf?ext=.pdf
A terceira boa surpresa é em relação a hospitalidade e bom humor. Tanques nomeados, que ao invés de identificá-los com números são dados nomes que contam alguma divertida história, música eletrônica tocando na área de elaboração dos vinhos, frases engraçadas escritas pelas paredes da vinícola… Esses foram alguns dos indícios do bom humor, especialmente dos Australianos. Mas, no geral, o bom humor em conjunto com a hospitalidade foram excepcionais em ambos os países. Os produtores fizeram de tudo para que soubéssemos de cada detalhe da viticultura e vinificação, que degustássemos a maior quantidade de vinhos, sejam engarrafados ou nos tanques e barricas, e que tivéssemos a melhor experiência enogastronômica possível. Além disso, as trocas de informações foram extremamente enriquecedoras, eles querendo saber mais sobre o Brasil e nós sobre o seu país, criando momentos de intercâmbio evidentemente interessantes e marcantes.
Quais serão os desdobramentos dessa viagem em termos de cursos e outras ações da ABS-RS e por Patrícia Binz?
Os frutos da viagem já estão sendo colhidos pela comunidade ABS-RS. Uma aula foi ministrada no programa Bella, que é um conteúdo disparado semanalmente gravado e ao vivo gratuito no canal do YouTube da ABS-RS, e estamos ministrando Masterclasses sobre o tema diretamente aos nossos alunos e associados, pois este é um conteúdo de aprofundamento exclusivo para esse público. Os professores das aulas nos cursos de Sommelier e Master estão atualizando e melhorando os seus materiais, para que possam passar o seu conhecimento em ainda mais detalhes sobre essas regiões. Além disso, todos os vinhos utilizados nas aulas destes países estão sendo revisados para que os alunos possam degustar o que mais representa cada região, em termos de tipicidade e qualidade. Nossos conteúdos para redes sociais e blog também estão disponíveis sobre cada região, e há ainda muito mais por vir! Inclusive, é bom ficar de olho nos nossos workshops, pois podem surgir notícias boas em relação a essa temática!
Eu sigo me dedicando à ABS-RS e a Vinifera Experience, empresa na qual crio experiências e organizo viagens relacionadas ao mundo do vinho.
O que a Patrícia Binz de hoje falaria para a Patrícia Binz do começo da carreira?
A dedicação e o trabalho sério sempre trarão bons frutos, basta persistir. Se investirmos no hoje, o resultado no amanhã é certeiro. Mas é importante lembrar de se divertir e apreciar o processo, não é à toa que escolhemos uma área tão interessante, que carrega tantas histórias, as belas paisagens e que proporciona bons momentos, por isso devemos aproveitar ao máximo. Também, por ter explorado diversos campos profissionais e seguir fazendo isso, entendo que nunca é tarde para aprender mais, mudar de carreira, fazer uma nova viagem e descobrir novas paixões no mundo do vinho! E não basta só estudar, compartilhar e apoiar o próximo é extremamente importante, é dessa forma que nos tornamos profissionais mais felizes em nossas carreiras.