ENTREVISTA COM ÉRIKA ETTORI
Ela iniciou sua jornada desenvolvendo uma paixão pelo vinho ao longo dos anos. Gradualmente foi se envolvendo mais com o mundo dos vinhos, até que ela mergulhou de cabeça nesse universo, enquanto ainda mantinha sua carreira no Direito. Nos últimos 5 anos, ela equilibra suas atividades entre o Direito e o Vinho, trabalhando diariamente por longas horas em ambas as áreas.
1 – Hoje você divide a sua carreira entre o Direito e o mundo do vinho. Como foi a sua entrada no vinho e como é essa jornada?
Gosto de vinho desde que me conheço por gente. Lembro-me bem da primeira vez que fui buscar um rótulo mais diferenciado dos encontrados usualmente no mercado: foi em 2005. Em 2009 já era apaixonada pelo vinho e tudo vinculado. Mas, foi somente de 2013 para 2014 que eu ingressei de cabeça no universo vitivinícola (até então minha dedicação era integral ao Direito e o vinho apenas objeto de estudos pontuais, além de diversão). Desde então de maneira gradualmente intensa tenho me aprofundado cada vez mais e nos últimos 5 anos dividi muito bem meu ofício entre o Direito e o Vinho, com jornadas diárias de trabalho de 12 a 16h, basicamente todos os dias. Enquanto tenho energia, paixão e disposição sigo feliz. Trabalho muito bem entre as duas áreas e por incrível que pareça minha cabeça funciona melhor assim. Sempre fui ativa e um pouco “workaholic”, eu sinto uma necessidade de me manter ocupada e produtiva todo o tempo – desde que de maneira organizada – mas com apenas uma frente de atuação o staff mental costumava ser frequente; já desta forma eu consigo “desligar” uma chave e mudar o tema da minha mente para outro. Costumo dizer que eu transito diariamente entre os problemas (direito) e o prazer (vinho). Hoje, sou empresária por vocação e trabalho com as frente de direito civil, especialmente imobiliário notarial e registral num escritório de advocacia do qual sou sócia (Affonso & Éttori Advogados), tenho uma empresa de Vinhos atuando com vendas com foco no consumidor final (The Blend Wines), eventos, treinamentos, elaboração de cartas para restaurantes e agora iniciando a própria importação, sou também professora de Cursos de Vinhos do básico, à Formação em Sommelier e pós formações/especializações vinculada à entidades de Ensino como SENAC e outras provedoras e organismos internacionais, e também tenho uma frente de prestação de serviços com criação de conteúdo, organização de eventos, entre outros.
2 – Recentemente você passou uma temporada viajando pelas regiões vinícolas da europa? Como foi essa experiência e o que mais te chamou a atenção?
Recentemente resolvi fazer uma verdadeira imersão nas regiões vitivinícolas da Europa e mudei-me “temporariamente” para lá por cerca de 3 meses. De vez em vez eu sinto esse tipo de necessidade de fazer realmente parte integrante de outra cultura e não apenas turistar.
O início da minha recente temporada foi com a convocação do Port Wine Educator em outubro de 2023. Na ocasião detinha passagens compradas previamente para Londres. Claro que abracei a oportunidade e sequer desci do aeroporto de Londres, saindo correndo para não perder o outro único vôo do dia que teria para chegar no Porto (Portugal) em tempo. Terminando o curso e provas pelo Porto e Vales do Rio Douro, com imagens e vinhos de tirar o fôlego, ingressei noutro avião com destino à Áustria, onde encontrei meu marido (que estava em Londres nas provas do Diploma da Wset) e foi lá que a faísca acendeu no peito.
Os planos comuns eram realizar o roteiro vitivinícola do Vale do Wachau e após conhecer alguns países do Leste Europeu, mas por um acaso do destino havíamos esquecido a Carteira de Motorista Internacional e sem isso não é possível alugar um carro. Como eu adoro abraçar uma boa aventura esportiva, optei por me deslocar entre alguns ônibus e trens e fazer o tour de toda a região vitivinícola de Wachau de bicicleta, no frio estremo do inverno que se aproximava. E quer saber? Foi tanto uma surpresa, quanto uma delícia de viagem pelos lugares com as mais belas paisagens que já visitei. Pedalava em meio aos vinhedos enquanto via os locais saírem para caminhar por ali mesmo. O passeio foi tão marcante que sigo salivante recordando dos vinhos de altíssima qualidade austríacos, especialmente os rieslings Smaragd da “Weingut Franz Hirtzberger”, o Smaragd Grüner Veltiliner e demais Grüners e Rieslings Federspiel e Smaragds da “Alzinger” e os estilos de vinhos biodinâmicos Trockenbeerenauslese e Riesling Smaragd da “Nikolaihof”. Muito se escuta acerca dos Grüner Veltliners austríacos, mas os Rieslings são verdadeiros shows que também merecem ser provados
Regressei ao Brasil e posteriormente, a trabalho, fui convocada para Portugal novamente em novembro de 2023, desta vez no Alentejo. Uma sub-região mais encantadora do que a outra, e cada Vinícola de tanta qualidade! Pessoalmente me encantam em demasia os vinhos nos estilos Portalegre, Borba e Vidigueira, além dos clássicos de Évora, Redondo e Reguengos. E ainda guardo com zêlo em meu peito os vinhos e recepções encantadoras proporcionadas pelos produtores.
Assim que foi encerrada a viagem pela melhor gastronomia e vinhos do Alentejo, acompanhando os finalistas do concurso de Melhor Sommelier e novo Embaixador eleito no Brasil, peguei outro vôo, desta vez para Paris apenas como escala, onde encontrei meu marido mais uma vez, que me acompanhou até o Jura.
Cheguei acreditando que o meu inglês me salvaria, doce ilusão. Foi um excelente momento para tentar aprender as expressões técnicas francesas do mundo do vinho, pois quase todos os locais se limitavam a falar francês. Eu já havia tentado aprender francês no passado com algumas aulas particulares, mas meu sotaque com “Q” latino torna tudo mais difícil na pronúncia. Como sinal de respeito ouvia tudo em francês e o que conseguia respondia da mesma forma, numa espécie de linguagem indígena. Percorri degustando os vinhos das 4 subregiões, Arbois, L´Étoile, Chateau Chalon e a abrangente Côtes du Jura. O que mais marca a estadia no Jura é provar um Vin Jaune do Chateau Chalon acompanhado de um típico queijo Comté AOP e para quem gosta, uma linguiça Belle de Morteau (Morteau AOP) – que harmonização singular!
Sempre senti essa vontade de conhecer a fundo a produção de vinhos da França, especificamente na Borgonha, mas pensava que “precisava estudar mais” antes da viagem para aproveitar. Seguiram-se muitos anos sem que eu voltasse a pisar nos solos franceses até que decidi “morar” na Borgonha por um curto período e assim poderia estudar as particularidades da região enquanto sedimentava o aprendizado nas visitas locais.
Tirei licença não remunerada da instituição de ensino e em dezembro segui para Beaune, na Borgonha, onde havia alugado uma casa para passar os próximos meses em trabalho remoto, estudando e me preparando para as escolas de vinho francesas – período que o Brasil está em recesso forense. Sempre senti essa vontade de conhecer a fundo a produção de vinhos na Borgonha, mas pensava que “precisava estudar mais” antes da viagem para realmente aproveitar. Seguiram-se muitos anos sem que eu voltasse a pisar nos solos franceses até que decidi “morar” na Borgonha por um curto período e assim poderia estudar as particularidades da região enquanto sedimentava o aprendizado nas visitas locais.
Fui muito bem recepcionada pelos meus conhecidos produtores na Borgonha, além de outros produtores destaques da região, tendo visitado todas as sub-regiões. Falar sobre uma imersão de mais de 2 meses daria um verdadeiro livro, mas resumo uma lista de estilos e diferentes produtores das diferentes subregiões que vale a pena conhecer:
– Domaine Thierry Glantenay (destaco o Premier Cru Puligny-Montrachet, Volnay Premier Cru Cailleret e Pommard Premier Cru Rugiens);
– Domaine Jean-Marc et Thomas Bouley (destaco o Pommard Premier Cru Rugiens Hauts, Pommard Premier Cru Les Fremiers, Volnay Clos de la Cave, Volnay Premier Cru Mitans, Volnay Premier Cru Cailleret, Volnay Premier Cru Clos de Chêne)
– Domaine Bertagna (destaco o Corton Grand Cru e o Clos Vougeot Grand Cru)
– Domaine Marc Roy (destaco oGevrey- Chambertin Clos Prieur)
– Domaine Chevrot (menção especial ao Maranges, Aligoté Vielles Vignes, Premier Cru Les Clos Roussots e La Fussière).
– Domaine Philippe Garrey (destaque ao Mercurey Premier Cru Clos du Paradis, e La Chassière)
– Domaine Thibault Liger-Belair (Beaujolais Moulin à Vent, Gevrey Chambertin Em Créot, Nuits-Saint-Georges Premier Cru “Les Saint Georges”, Charmes-Chambertin Grand Cru A”ux Charmes”, Clos-Vougeot Grand Cru, Richenbourg, Chambolle-Musigny Vieilles Vignes e Vosne-Romanée “Aux Réas”).
– Chablis : Domaine Michaut Jacob (jovem vinícola com qualidade em seu Premier Cru Beauroy) e Ganier et Fils Chablis (Grand Cru Les Clos, Grand Cru Valdésir, Premier Cru Mont de Milieu, Premier Cru Fourchaume, Petit Chablis e Chablis).
– Domaine Pierre Guillemot (destaque para o Premier Cru Aux Serpentiers)
Entre o Natal e Ano Novo, antes de retornar novamente à Borgonha em continuidade à imersão pretendida, percorri Chablis, mas, desta vez fiquei em Dijon, perto das escolas de vinhos e fiz algumas escalas de passagens conhecendo os vinhos de Savoie e da Alsácia na França, do Vale da Aosta na Itália, dos Grand Crus Suíços de Neiroud Fonjallaz, e dos vinhos Alemães da região e Baden antes de me estabelecer por lá. Esse roteiro é imperdível e de perder o fôlego em belezas naturais, construídas, vinhos e altíssima gastronomia.
3 – Além disso, você também viajou para a África do Sul visitando algumas vinícolas, quais foram os destaques da terra da Pinotage?
A África do Sul é encantadora. Os registros fotográficos não são capazes por si só de captarem a imensidão da beleza encontrada naquele lugar. Voltaria mil vezes!
Além do que a mãe natureza nos proporciona nos lugares próximos de Cape Town e as vinícolas magnânimes, faço alguns destaques do que valeu muito a pena conhecer, para as pessoas incluírem em seus próximos roteiros e que não se resumem aos Pinotages:
Optei por ficar em frente à praia de Strand (Strand Beach) em Western Cape, que oferece estadias muito mais agradáveis via AIRBNB, por preços justos e vistas deslumbrantes todos os finais de tarde, entre verdes do campo, terracota das montanhas e um misto de vermelho, laranja e dourado do pôr-do-sol, além de ser um ponto estratégico para facilitar o deslocamento entre vinícolas de Stellenbosch e Franschhoek.
Em Stellenbosch:
-VERGELEGEN (destaque para Semillon, Merlot e Cortes tintos), e a paisagem do jardim enquanto se aprecia uma bela taça;
– KEN FORRESTER (Chenin Blanc em alto nível e evolução e Mourvédre em corte)
– RUST EM VREDE (Menção especial para um novo projeto com vinificação de Grenache e Cinsault). Na vinícola há também um restaurante comandado pelo Chef Fábio, um brasileiro que sabe criar muito bem com sabores, de tirar o chapéu. Recomendo a visita e pausa para almoço ou jantar. Inesquecível.
– DELAIRE GRAFF (Vale fazer uma pequena passagem para apreciar a vista belíssima, espaços de restaurantes distintos e até uma farta tábua de petiscos para quem como gosta de beliscar com uma boa taça de vinho enquanto aproveita a imersão no ambiente externo, apreciando a natureza).
– OLDENBURG WINES (de uma exuberância sem igual tanto pelo local, quanto pelo novo estilo desenvolvido pelo enólogo Nic Vanaarde, que fez uma revolução na vinificação, incluindo uma proposta mais sustentável, leveduras indígenas, fermentação lenta, vinhos mais leves e frescos. Menção especial aos tintos em cortes e Cabernet Franc).
– KANONKOP WINE ESTATE (vinícola símbolo da Pinotage. Se você deseja começar por um vinho Pinotage Sul Africano, certamente aqui estará uma grande escolha)
– GLEN CARLOU (brancos e tintos, do Chardonnay ao Petit Verdot, mas o que realmente diferenciou foi o Quartz Stone Chardonnay Single Vineyard pelas mãos do enólogo Johnnie Calitz. Há um restaurante também com vista e ampla gastronomia muito recomendado para se incluir no roteiro)
Em Franschoek: um “cantinho francês” que compreende uma pequena área com produtores boutique, muito rica e cheia de lojinhas, feiras de artesanatos, bares, gastronomia e ampla estrutura turística.
– LA BRI WINE (possui atendimento a grupos para degustações e até mesmo com tentativas de harmonização de chocolates ou biltongs e droëwors – que são petiscos de linguiças e carnes secas/curadas). Menção especial ao Espumante Cap Classique e os vinhos de o Merlot e o Syrah em estilos franceses sem passagem por carvalho: acidez, potência, intensidade e capacidade de evolução fenomenais).
– STONY BROOK, (vinícola com loja tipo wine bar. Pequena produção e excelente custo benefício! Sugiro provar o maior número de vinhos possíveis, mas se tiver que escolher um siga com o blend tinto Ghost Gum, uma verdadeira explosão de sabores)
– Em Constantia
– KLEIN CONSTANTIA (emblemático Vin de Constance, menção especial à safra 2017 e Sauvignon Blancs em estilos elegantes diferentes).
4 – Conte mais um pouco sobre a sua colaboração com o Concurso o Melhor Sommelier do Alentejo no Brasil. O que podemos esperar para a edição deste ano?
O Alentejo sempre foi uma grande paixão. A realidade é que foi especificamente essa região que me fez mergulhar no universo do vinho sem nunca mais olhar para trás. Eu havia indicado em 2019 já esse concurso para o meu marido prestar e na ocasião ele foi um dos finalistas. Continuei acompanhando o concurso todos os anos e na primeira vez que prestei em 2022 também fui uma das finalistas. Desde e então tenho integrado duas frentes com os Vinhos do Alentejo Brasil: a primeira auxiliando junto com uma equipe qualificada da Exponor Brasil em relação à promoção da “marca” e mídias nas redes sociais; a segunda em relação ao concurso “Melhor Sommelier do Brasil em Vinhos do Alentejo”, como membro da comissão organizadora de todas as etapas e provas do concurso junto com o Domingos Meirelles, Exponor Brasil e a CVRA (Comissão Vitivinícola Regional Alentejana), na figura do seu diretor de Marketing, Tiago Caravana) inclusive na etapa da Grande Final realizada em Portugal, no Alentejo, além de jurada das mesas nas etapas das provas no Brasil.
Este ano os candidatos que estão se inscrevendo partem de todas as regiões brasileiras, com alto nível de qualificação e podem esperar provas muito bem elaboradas, etapas dinâmicas e um julgamento muito justo levando em consideração todos os critérios que fazem a figura de um excepcional sommelier. A viagem da final estará recheada diversão, além de vinhos e gastronomia exuberantes!
5 – O que a Érika de hoje diria para a Érika de começo de carreira?
O seu tempo é apenas seu. Não deixe que os outros o dominem, porque ele é o seu bem mais precioso. Evite viver no tempo da pressa; depressa não é para frente e devagar, step by step você vai muito mais longe. Afinal, se você fizer tudo hoje o que te restará de objetivo ao amanhã? Calma, voar é para avião hahahahah