Entrevista com Patrícia Brentzel

Entrevista com Patrícia Brentzel

Há quase duas décadas trabalhando no mercado do vinho, depois de deixar de lado a vida corporativa, Patrícia Brentzel é marketeira de formação, sommelière e empresária afroindígena e uma força no setor.

Como foi a sua entrada no mundo do vinho?

Antes de entrar no mundo do vinho, vim da área de marketing do mundo corporativo, onde comecei com 15 anos e estava construindo uma carreira. Nada foi planejado. Numa transição de uma multinacional para outra, como eu ainda era muito jovem, decidi experimentar outras atividades profissionais. Deixei meu CV em alguns bares e restaurantes na Parada Inglesa, bairro onde não nasci, mas cresci. Uma pizzaria bem descolada pra época me chamou e eu poderia ter ido pra cozinha, salão ou bar, mas comecei do 0, como hostess.

Na espera comecei a vender vinho, sem nem saber o que era Cabernet Sauvignon. Aí ganhei o meu primeiro livro sobre o assunto, fiz minha primeira degustação com a sommelière Carina Cooper e ali decidi, antes mesmo de pensar em me tornar sommelière, que queria estudar o comportamento do consumidor brasileiro de vinho. Isso faz 20 anos.

Me preparei então de 2003 a 2008 fazendo extras na área, participando de eventos, vendendo vinho para pequenos importadores, enfm, tudo que me pudesse me dar embasamento para uma possível transição de carreira. Enquanto isso, me formei sommelière por 2 escolas e em 2008 assumi minha primeira posição como sommelière num wine bar em SP. A partir daí, comecei a trabalhar com educação. Não foi fácil. Pra fazer e bancar tudo isso, tive que trabalhar muito, muito mesmo. Mas deu certo!

Hoje você trabalha apenas com vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais, correto? Sempre foi assim? O porquê dessa transição?

Não, não. Eu comecei pela escola tradicional e trabalhando com a indústria. Passei por inúmeras importadoras de pequeno, médio e grande porte, ocupando posições nas áreas técnica, de marketing e comercial. Esse percurso foi primordial para que eu adquirisse um “background” de peso no mundo do vinho. Vivenciei, transitei e conheci profundamente muitas áreas, desde a produção de um vinho à comercialização, comunicação, logística, enfim, praticamente tudo.

O início da minha desconexão com a indústria começou no final de 2011. Estava trabalhando num pequeno importador de vinhos franceses e abrindo minha empresa de consultoria, eventos e experiências etílicas. Nesta época comecei a ter contato com pequenos produtores da França. Em 2013, nasce o movimento de vinho natural no Brasil, pelas vozes dos meus amigos Lis Cereja e Leonardo Reis, que idealizaram a primeira “Caravana Naturebas”, em que fomos visitar pequenos produtores brasileiros no Sul do país, e a “Feira Naturebas”, que começou com 100 visitantes e hoje recebe mais de 2.000 pessoas.

Essa foi minha entrada neste nicho, quando comecei a conhecer e entender o que era um vinho elaborado de forma ancestral, antes da era da industrialização. E aí mergulhei neste mundo, que de fato, está intimamente muito mais ligado a minha essência e com o que eu acredito como resgate.

Os vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais ainda figuram na lista de tendências entre muitas publicações e profissionais do mercado. Como você enxerga esse posicionamento? Acredita ser uma tendência mesmo ou algo que já veio e já ficou?

Não há como eu achar que é tendência. Eu trabalho há anos com este “nicho”. E falo com propriedade, pois vivencio o mercado de perto, diariamente. Atendo centenas de clientes em todo o Brasil em pelo menos 3 canais de venda: Pessoa Física, Negócios da Gastronomia e Segmento Corporativo. O movimento cresce a cada dia. Arrisco a dizer que proporcionalmente, talvez numa velocidade até maior que o vinho convencional antigamente. As pessoas de maior poder aquisitivo estão buscando alimentos e bebidas mais saudáveis. Querem vinhos que não sejam elaborados com uvas provenientes de vinhedos que receberam agrotóxicos, por ex. Vinhos sem correções para se chegar a um padrão de aroma e sabor. E com o mínimo de conversante, se possível. Já quem tem menor poder de consumo, se identifica com o resgate do pequeno produtor. Querem vinhos que sejam elaborados por pessoas, não por máquinas. Ao final, a maioria está buscando procedência. Querem saber quem é o produtor, onde e como ele produz e qual sua relação com as práticas socioambientais.
A geração que hoje está se aproximando da “maioridade”, já se prepara para beber bem menos que a atual, inclusive bebidas menos alcoólicas e com total preocupação ética das relações com pessoas e a natureza.  A indústria sempre vai existir numa sociedade capitalista, porém quando falamos de pequenos produtores que elaboram vinhos de forma ancestral, não estamos falando de commodities e sim de resgate. Essa resistência é realidade, não tendência.

Recentemente você participou como co-apresentadora de um podcast de vinhos na CBN. Nos conte como foi essa experiência e se podemos esperar mais projetos como esse para um futuro próximo.

Foi uma experiência incrível e tivemos um excelente feedback do público! Isso se deve a grande dupla que formei com a jornalista Isabelle Moreira Lima, que não só me convidou para o projeto como também me ensinou muito sobre jornalismo. Eu tenho muita facilidade com a comunicação verbal e escrita, mas de fato não era uma expert em roteirização. Na época também ainda não era a maior ouvinte de podcasts. Mesmo assim, captei rapidíssimo e demos show, sem falsa modéstia. São 20 episódios super leves, descontraídos, divertidos e cheios de informação. Amei fazer!

Sim, recebi muitos convites e muitos projetos estão por vir. Independente de quais forem eles, seguirei sempre a minha linha de descontração e acessibilidade, desmitificando um montão de coisas toscas que ensinam por aí (risos).

O que a Patrícia Brentzel de hoje falaria para a Patrícia Brentzel no começo da carreira?

Essa é uma ótima pergunta. Olha, como eu faria tudo exatamente igual, eu só diria: vai lá minha filha, ocupa, siga seu coração e não desista. Parece clichê, né? Mas às vezes nem sei como consegui chegar até aqui. Estou exausta? Sim. Como mulher, tive que batalhar mais. Como mulher preta então, infinitamente mais. E não é fácil entender a invisibilidade. É doloroso. A gente literalmente sente na “pele”, que também é sobre a “pele”.
Eu nasci para hospitalidade e estou nela não por falta de oportunidade, e sim por escolha.

E tive a chance de testar muita coisa antes de decidir por ela, porque recebi em casa uma base de amor (e não de apoio financeiro) que me proporciou isso e me colocou em outro patamar de segurança, confiança e coragem. Só por tudo isso não desisti. Meu maior orgulho é ter conseguido ocupar, ter entendido os códigos, é ter resistido. Nunca me deslumbrei, pois o mundo do vinho é ilusório. E que bom que captei isso desde o início. Trabalha-se muito, ganha-se pouco, reconhecimento então…

Mas valeu a pena ter propósito e princípios. Ter caráter e ideologia não dão dinheiro, mas dão uma consciência limpa e tranquila, isso é sinônimo de paz e saúde mental. Hoje, comemorando meus 20 anos de carreira no mundo das bebidas, me orgulho do caminho que trilhei até aqui e da profissional que sou. Eu sobrevivi. E agora, meu maior sonho é ter um respiro para viver e não sobreviver. E para esse respiro, já tenho planos. Planos para aqueles que não tem as mesmas oportunidades que eu tive.

Assinatura Vinhos Única Jessica Marinzeck

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