Envelhecimento do vinho: adega no fundo do mar
Para os que, assim como eu, são do time de que só um bom banho de mar pode resolver todos os problemas, eis uma excelente curiosidade: os vinhos também resolveram passar por essa imersão subaquática e tomar um banho de sal mundo afora.
O envelhecimento subaquático é o maior burburinho do segmento nos últimos anos. Submergir vinhos em oceanos e lagos tem atraído “haters” e “lovers”, e definitivamente não deixa de ser bem curioso, mas ainda não passa de um nicho pequeno do mercado. Muitos argumentam que é uma boa estratégia de marketing para vender histórias, mas existem aqueles que já conseguiram de fato entender que esse processo pode gerar benefícios qualitativos no vinho em si.
Tudo começou com alguns produtores se inspirando na ideia de vinhos descobertos após naufrágios. Nas últimas décadas, com os avanços de técnicas e equipamentos de mergulho, alguns navios foram encontrados, e neles estavam vinhos raros que sobreviveram por séculos debaixo d’água. É o caso do lote de garrafas encontradas por mergulhadores alemães em 2019 que foram datadas do século XVII e leiloadas pela famosa casa de leilões inglesa Christie’s por valores acima de 50 mil dólares cada garrafa.
O que muitos se perguntam é se esse envelhecimento subaquático de vinhos altera realmente o sabor e quais as vantagens dessa prática hoje em dia. O que já é consenso entre os produtores é que as profundezas do mar reúnem as melhores condições naturais para maturar um vinho: escuridão completa, falta de oxigênio e a regulação natural da temperatura. Além disso, ao contrário do que muitos devem achar, nada entra ou sai da garrafa com a interação do mar, ou seja, o vinho não vai ficar mais salino ou “mineral” como nossa idealização coletiva nos leva a crer. As garrafas que vão envelhecer são no geral seladas de forma que o ambiente externo não tenha nenhuma influência no líquido.
Atualmente, a Crusoe Treasure é a empresa mais reconhecida por esse tipo de prática. Eles se vendem como uma “underwater winery”, ou seja, uma vinícola debaixo d’água. Os vinhos da Crusoe são produzidos pelo enólogo Antonio Palacios e envelhecidos na Baía de Plentzia, na Espanha.
Em entrevista à Decanter Magazine, Antonio Palacios menciona que os atributos dos vinhos subaquáticos incluem maior intensidade de cor e uma evolução mais lenta da tonalidade do vinho ao longo dos anos. Já no que diz respeito aos aromas, os vinhos têm maior intensidade e tendem a mostrar menos aromas herbáceos e vegetais, com acentuados frutos primários e notas florais. Na boca, ele descreve os vinhos com textura sedosa e com uma maior sensação de frescor.
Antonio Palacios argumenta que o efeito vibratório contínuo no mar é uma variável que contribui na maturação constante dos vinhos e que isso propicia o ambiente perfeito para uma aceleração do processo de envelhecimento, produzindo vinhos mais suaves e complexos em menos tempo.
Mesmo sendo um mercado muito novo e cheio de especulações em relação aos benefícios reais desse tipo de maturação, a vinícola brasileira Miolo tomou a frente e fez o seu experimento. Em 2017 envelheceu seu espumante Miolo Cuvée Brut por 12 meses debaixo d’água. A empresa deixou seus espumantes dentro do mar na região de Bretagne, na França, mas ainda não os lançou ao mercado.
Mais e mais marcas estão aderindo aos testes, desde projetos que incluem Veuve Clicquot (Champagne), no mar Báltico, até a Gaia Winery da Grécia experimentando maturar garrafas no Mediterrâneo. Por fim, é muito difícil apostar se essa prática de maturação vai realmente virar mais um processo disponível para os enólogos criarem vinhos mais complexos ou se vai ficar apenas no âmbito do marketing para poucas vinícolas ao redor do mundo. No entanto, uma coisa já podemos combinar desde já: na boa e velha sabedoria popular brasileira, um bom banho de sal grosso já garante uma boa limpeza das energias e o mau olhado bem longe. No fim, já vai ter valido a pena!