Vinho zero álcool é bom?
Acabo de voltar da Prowein, a maior feira de vinhos do mundo que acontece todo ano em Düsseldorf, na Alemanha, e posso dizer a vocês que não existe melhor lugar para entender o que é tendência no segmento de vinhos. Lógico que não deixaria de voltar com fofocas quentíssimas para vocês. Teremos babado forte até o final do ano, com certeza.
De cara, o papo é vinho zero álcool. Fiquei impressionada com a quantidade de lançamentos dessa categoria no mercado. As poderosas Yellow Tail, Kendall-Jackson, Kim Crawford são exemplos de empresas que já possuem linhas de zero-álcool há algum tempo, e até mesmo empresas tradicionais também já estão no jogo. A José Maria da Fonseca, em Portugal, lançou sua linha O%RIGINAL com vinhos brancos, rosés e tintos sem álcool, e muitas marcas já nasceram com o espírito de competir apenas dentro deste nicho de mercado, como a Sinzero, do Chile, e a Weinkoenig, da Alemanha, que estavam expondo seus vinhos na feira da Prowein. Teve também vários fóruns de discussão sobre o assunto, e Clemens Gerke, editor-chefe da publicação de vinhos alemã Weinwirtschaft, afirmou em um painel que “os vinhos sem álcool estão cada vez melhores e eles também se encaixam perfeitamente no tempo de um público preocupado com a saúde”.
E eu já imagino que você deve estar se perguntando: “Ué? Vinho sem álcool não é suco de uva?” A maioria dos consumidores tem essa ideia da categoria zero-álcool, mas ela vai muito além de um suco de uva. O primeiro que precisamos saber é que o suco de uva nunca passou por um processo de fermentação alcoólica, e o vinho sem álcool já foi um vinho com álcool um dia. O vinho sem álcool começa a sua vida como um vinho normal e passa por todas as etapas de vinificação e até mesmo de envelhecimento, se assim for desejado. Logo depois o álcool deverá ser retirado do vinho.
Existem alguns processos no mercado para retirar o álcool. Os mais usados hoje são: a osmose reversa (um processo que combina filtração com destilação), a destilação a vácuo (destilar dentro de uma câmara de vácuo) e as colunas de cone giratório (“spinning cone” em inglês, que são ciclos repetidos de evaporação e condensação). Todos esses processos têm em comum os custos, afinal os equipamentos e a tecnologia envolvida para remover o álcool são, geralmente, complexos e caros.
O grande desafio num vinho sem álcool é que ele seja gostoso, já que todos esses processos fazem com que o vinho perca compostos aromáticos e estrutura de sabor. Para equilibrar essas perdas de qualidade do processo, normalmente, mosto de uva concentrado (mais açúcar) e até mesmo taninos podem ser acrescentados no vinho após a retirada do álcool, o que faz com que não seja nada incomum encontrar vinhos com mais residual de açúcar dentro da categoria. Mas vale dizer que esses vinhos não necessariamente são mais calóricos.
Outra coisa importante a saber é que essa categoria tem a nomenclatura “bebida à base de vinho” e não pode ser chamada de vinho pela legislação. Afinal, o vinho, pela maioria das leis, precisa ter teor alcoólico igual ou superior a 8%, com exceção de algumas denominações de origem que têm por estilo o álcool mais baixo (como no caso do Moscato d’Asti, que tem 5% ABV em geral). Bebidas à base de vinho com zero álcool estão divididas em três classificações: 1) sem álcool (alcohol-free) quando o vinho não tem mais de 0,05% ABV; 2) desalcoolizado (de-alcoholised) quando não tem mais de 0,5% ABV, ou 3) baixo teor alcoólico (low-alcohol) quando tem até 1,2% ABV. E como a categoria ainda é muito nova e confusa mesmo para a indústria, existem aqueles que consideram os vinhos de 5% a 10% ABV como uma vertente de vinhos de baixo álcool.
As razões para escolher um vinho sem álcool são inúmeras: problemas de alcoolismo ou uso de medicamento contínuo, período de gravidez ou amamentação, motivos religiosos, dietas alimentares, treinos regulares para algum esporte específico que limita a ingestão de álcool, busca pela melhoria no sono e muitos outros. Os vinhos sem álcool ainda são apropriados para alguns eventos corporativos ou infantis e contemplam as novas gerações que estão na busca contínua de uma vida mais saudável.
No Brasil, o case da Freixenet com os seus espumantes é emblemático. Se considerarmos os cinco primeiros meses de 2022, comparados com o período homólogo do ano anterior, as vendas do Freixenet 0% Álcool cresceu 40%. De acordo com Fabiano Ruiz, diretor-executivo da Henkell Freixenet Brasil, “a categoria sem álcool / low alcohol é uma tendência mundial, principalmente pelo fato de a pandemia ter evidenciado a necessidade de conscientização para uma vida mais saudável”.
É muito incerto o futuro desses produtos. O último relatório do setor sobre o mercado de vinhos não alcoólicos da Fact.MR estimou que o mesmo deverá representar US$ 4,5 bilhões até o ano de 2031. No entanto, existem teses menos otimistas, e a maior dificuldade nos próximos anos para manter o crescimento projetado será equalizar a qualidade do produto com os custos. Entregar bons vinhos com bom preço é o desafio por hora.
Por fim, a minha opinião de quem já provou alguns vinhos sem álcool por aí é que existem muitos projetos promissores, como o caso da Freixenet ou da Bodega Miguel Torres, mas que também tem muita empresa arriscando sem a infra-estrutura correta e fazendo produtos imbebíveis. Pesquisar um bom produtor antes é o que vai fazer a experiência de enterrar a ressaca valer a pena. Caso contrário, sempre teremos o bom e velho Engov! 😉