Como falar de vinho sem falar de história junto?

Como falar sobre vinho sem falar sobre história junto?

O vinho, nossa bebida favorita, sempre teve um papel fundamental na história da humanidade. Suas raízes são tão profundas que vinho e história se unem como se fossem uvas misturadas formando um blend.

Existe uma lenda persa que afirma que uma princesa teria passado por uma desilusão e, querendo acabar com a própria vida, decide tomar um copo de suco de uva com aromas estranhos, aparentemente “estragado”. Porém, o suco não estava estragado, e sim, meio fermentado. Não à toa, princesa não só não morreu, como ficou muito mais alegre e feliz. Seria essa mulher Única a criadora do primeiro vinho?

Na verdade, tudo deve ter começado de forma espontânea cerca de 8 a 10.000 anos atrás, possivelmente no país que hoje chamamos Geórgia. Alguém esqueceu cachos de uva dentro de um jarro, e, quando lembrou de pegar, um aroma estranho estava presente. No entanto, mesmo com aroma desagradável o conteúdo do jarro foi consumido. O gosto era meio diferente e estranho (um certo doce com toques amargos e aromas meio avinagrados) e deixou a pessoa que consumiu um pouco zonza graças ao álcool presente originário de uma fermentação espontânea ocorrida. E a pessoa não só gostou, como começou a tentar reproduzir aquele jarro esquecido. Daí para frente foi só para frente.

Assim, amparados pela Bíblia (Gênesis 9:20) poderíamos afirmar que Noé, após ter sua famosa arca ancorada em terra firme quando as águas do dilúvio baixaram, foi o responsável por não só plantar a primeira vinha, mas também por produzir o primeiro vinho e tomar o primeiro porre (está tudo na Bíblia). No âmbito religioso, o vinho se fortalece ainda mais, tendo em vista que na Santa Ceia Jesus tomou vinho (e não cerveja artesanal ou Gin Tônica). Gosto de pensar que o vinho servido ali foi produzido já com esmero, mas com técnicas de vinificação ainda rudimentares. Foi um vinho feito com uvas tintas e brancas misturadas e fermentadas juntas, com álcool não tão alto e uma boa dose de açúcar residual, já que os processos de vinificação ainda não eram totalmente entendidos e aplicados. Ou gosto de pensar que foi um vinho laranja.

Santa Ceia

Egito, Grécia e Roma

Aí vem Egito. Gostavam muito de construir grandes obras arquitetônicas, mas também eram bem chegados em vinho. Aliás, grande parte das ideias e planos egípcios deve ter surgido com os faraós tomando vinho e olhando para a paisagem desértica há cerca de 7.000 anos. Aqui as técnicas passaram a ser mais apuradas, videiras foram plantadas organizadamente e em locais cuidadosamente escolhidos. Ocorreu um primeiro entendimento sobre as diversas formas e intensidades de prensagem das uvas, surgiram as primeiras ânforas de barro para armazenagem, e o vinho começou a ganhar o mundo, comercializado na Europa, Ásia e África Central.

Grécia. Por volta de 3500 AC, mercadores fenícios levaram o vinho do Egito aos gregos, que se encantaram totalmente e começaram não apenas a tomar, mas a produzir vinho em grande escala. O vinho assumiu um papel tão vital no cotidiano grego, que até um Deus foi criado para a bebida: Dionísio, filho de Zeus e um dos deuses mais legais já que tomava conta também do teatro e das belas-artes. Agora, com auxílio divino, o vinho tinha caminho aberto para se expandir pelo planeta. Novas variedades de uvas foram descobertas na Grécia, e o povo helênico, liderado por Alexandre o Grande, levou vinhas e vinho a novos lugares da Ásia e Europa: Itália, França, Península Ibérica e muito mais. Os gregos também criaram uma forma de envelhecer e dar longevidade à bebida, e um caráter distinto que ainda pode ser provado em vinhos gregos nomeados Retsina, usando resina de pinheiro como forração interna das ânforas. Essa ânfora resinada foi a precursora do barril de madeira, criado e desenvolvido em resposta por outro povo que adorava uma batalha.

Romanos! Agora chamado Baco, o novo deus do vinho auxiliou os romanos na conquista da Itália, de quase toda a Europa, do norte da África e partes do Oriente Médio. O vinho embalou e deu coragem às tropas romanas, e a conquista da totalidade das águas do Mediterrâneo fez com que a expressão “mare nostrum” aparecesse. Mas não seria melhor se a expressão fosse “vino nostrum”? Os romanos levaram vinhas aos lugares conquistados e elevaram o patamar do conhecimento inventando barris, criando a noção básica de terroir, como a madeira influenciava o vinho, catalogando uvas, conhecendo e listando pragas e doenças das vinhas e usando as primeiras garrafas de vidro. A Itália, que ainda nem se chamava Itália, amparada por tropas e pela recém-criada Igreja Católica, produziu vinho desde a Península Ibérica até as fronteiras nórdicas. Contudo, a “squadra azzurra” não contava que agora não reinaria mais sozinha na produção e comércio de vinhos, pois Espanha, Portugal e França despontariam como fortes concorrentes.

Europa e outros países

França, primeiramente com seu rei Carlos Magno e depois com a influência da igreja, subiu todos os padrões. Os franceses entenderam cedo o conceito de “terroir”, dividiram regiões e identificaram as melhores uvas para cada lugar. Focaram no cultivo de cepas que futuramente dominariam o planeta, como Cabernet Sauvignon, Pinot Noir,  Chardonnay, Sauvignon Blanc e outras. Inventaram estilos como espumantes e vinhos rosé, fundaram escolas de enologia, desenvolveram técnicas e, mais do que isso, criaram regras que deram origem, com o passar do tempo, a regiões como Bordeaux, Borgonha, Champagne e tantos outros.

Pessoa colhendo uva com uma tesoura

Portugal e Espanha, por sua vez, não apenas iniciaram o cultivo e produção por seus territórios, como também, assim como os franceses, demarcaram regiões, inventaram estilos como Porto e Jerez, criaram legislações próprias e, talvez o mais importante, começaram a levar as vinhas a suas colônias ao redor do planeta.

Enfim, chegaram também às Américas, primeiramente ao México, onde foi fundada em 1527 a primeira vinícola do continente, denominada Casa Madero (ainda em operação), e depois a diversos outros locais como EUA, Argentina, Chile, Uruguai e Brasil. Com o comércio marítimo holandês fortemente ligado às Índias Orientais, e a África do Sul servindo como base para reabastecimento dos navios que se dirigiam à Ásia, a vinha foi implantada na região do Cabo da Boa Esperança em 1654 e de lá seguiu caminho para a Austrália e Nova Zelândia.

Em suma, como perguntei no início do texto, como falar de vinho sem falar de história? Como falar do surgimento do vinho sem comentar sobre povos antigos e seus métodos de conservação de alimentos em ânforas? Não conseguimos, portanto, falar do início da viticultura sem falar em egípcios desenvolvendo essa habilidade enquanto “empilhavam pedras até o céu”. Também é quase impossível falar da expansão das uvas e da evolução dos métodos de vinificação sem lembrar de gregos e romanos conquistando regiões e levando as uvas para todo lado.

Bom, o que ocorreu nos últimos 300 anos, com as vinhas virtualmente nos quatro cantos do planeta e com o consumo crescendo a cada dia, deixamos para um próximo capítulo aqui na Única.

Saúde!

Assinatura Vinhos Única José Luiz Ferrazzo

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