Toda acidez será neutralizada (e vai te fazer salivar) Pt III
Toda acidez será neutralizada (e vai te fazer salivar) Pt III
Olá pessoal! Chegamos ao final da nossa série sobre acidez.
Na primeira parte falamos sobre a importância da acidez no vinho e como ela afeta nossa experiência gustativa. Na parte dois exploramos a multissensorialidade da acidez e como ela contribui para nossa experiência com vinho.
Agora na terceira parte vamos falar da acidez na degustação de vinhos.
Como percebemos a acidez em nossa boca? E será que toda acidez é igual entre as variedades de uvas viníferas?
Vamos lá?
A acidez segundo o SAT do WSET
Ao degustar vinhos, você também estará avaliando a quantidade de acidez que eles possuem. Assim, quando você dá o primeiro gole vai sentir a acidez na boca, pois ela é detectada na língua, onde causa uma sensação de formigamento e faz a boca salivar. Quanto maior o nível de ácido no vinho, mais a sua boca saliva e por mais tempo ela saliva.
Para a maioria das pessoas, a acidez é detectada mais fortemente nas laterais da língua, fazendo a boca salivar enquanto tenta restaurar seu equilíbrio ácido natural (tentaremos neutraliza-la!). Vinhos descritos como tendo “baixa acidez” parecerão amplos, redondos e suaves. “Alta acidez” tende a ser encontrada em vinhos feitos de uvas amadurecidas em climas mais frios e pode fazer com que esses vinhos sejam especialmente frescos, o famoso “de dar água na boca”.
Usualmente, numa degustação temos a seguinte escala para marcar a intensidade de acidez:
• Baixa
• Média (-)
• Média
• Média (+)
• Alta
Acidez média (-) ou baixa registrará pouca salivação, enquanto acidez média (+) e alta farão as glândulas trabalharem em excesso.
Para avaliar a acidez, é necessário esperar tempo suficiente para perceber não apenas a quantidade, mas também a duração da salivação. Também é aconselhável que o degustador mantenha a concentração, pois, em alguns casos, as sensações proporcionadas por outros componentes, como álcool ou amargor, podem ser confundidas com as da acidez. Às vezes, a duração, e não a intensidade, da salivação pode fornecer mais informações sobre a acidez do vinho.
Um baixo nível de acidez pode tornar a sensação de álcool em um vinho mais pronunciada. A acidez no vinho ajuda a contrabalançar a percepção do álcool. Quando a acidez é baixa, o vinho pode parecer insípido ou sem estrutura, permitindo que o álcool se destaque.
Além do Sabor – o método revolucionário de degustação de Nick Jackson, MW
Nick Jackson, em seu livro “Beyond Flavor,” apresenta um método inovador de degustação de vinhos, desenvolvido por ele ao longo de sua preparação para os exames do renomado título Master of Wine.
Inspirado pela expressão “estrutura ácida” utilizada por um Master of Wine ao se referir a vinhos brancos, Jackson teve um momento de epifania. Ele já estava familiarizado com a importância da estrutura de taninos nos vinhos tintos, mas começou a considerar que os vinhos brancos também poderiam ter uma estrutura equivalente.
Durante suas degustações, Jackson focou obsessivamente na estrutura ácida dos brancos e na estrutura tânica dos tintos, criando perfis de estrutura para as principais variedades. Ele descobriu que, ao contrário dos sabores, a estrutura de uma variedade de uva muda muito pouco, independentemente do trabalho do enólogo, da vinificação ou até mesmo do clima onde está inserida a variedade da uva.
Essa abordagem baseada na estrutura, que ele compartilha detalhadamente no seu livro, provou ser crucial para sua precisão nas identificações de vinhos às cegas, resultando em um método de degustação mais confiável e menos dependente de suposições. E é sobre isso que falaremos a seguir.
Estrutura ácida em vinhos brancos: nível, forma e tipo.
Embora a acidez muitas vezes passe despercebida em vinhos tintos, nos vinhos brancos ela é um elemento central que qualquer degustador deve considerar. A acidez em vinhos brancos é como o esqueleto, enquanto a fruta é o equivalente aos músculos. A estrutura da acidez é intrínseca às variedades brancas da mesma forma que a estrutura dos taninos é para os tintos. A avaliação da estrutura é feita no paladar, e cada variedade tem uma estrutura de acidez ligeiramente diferente. Segundo Jackson, se você conseguir perceber a estrutura corretamente, poderá identificar a variedade.
Existem três elementos-chave na estrutura ácida: forma, tipo e nível de acidez. Todos os três devem ser observados enquanto o vinho está na boca, antes de engolir ou cuspir, embora o final do vinho possa ser usado para confirmar suas impressões. A forma da acidez é a mais consistente e confiável, sendo, por isso, a mais importante das três a ser entendida. E o nivel/intensidade de acidez é algo que é o que usualmente costumamos avaliar (e falamos anteriormente).
Nível de Acidez
Aqui é como a gente geralmente avalia a acidez, sendo a parte mais simples da avaliação da estrutura ácida de um vinho branco. O nível de acidez refere-se à quantidade de acidez presente no vinho, que pode variar de baixo a alto. Este elemento é fundamental para compreender o frescor do vinho, além de influenciar diretamente a sua capacidade de envelhecimento e o equilíbrio geral.
Como já falamos, o nível de acidez é percebido pela quantidade de saliva que o vinho provoca na boca. Quanto mais o vinho faz salivar, maior é o seu nível de acidez. Este é um método clássico e confiável para avaliar a acidez de um vinho. Após engolir ou cuspir o vinho, é útil deixar a boca aberta por 5 a 10 segundos para avaliar o efeito de salivação. Quanto mais a boca salivar, maior é o nível de acidez do vinho. Exemplos de nivel de acidez:
• Alta Acidez: Variedades como Riesling, Sauvignon Blanc, Albariño, Chenin Blanc, Aligoté e Furmint são conhecidas por sua alta acidez. Esses vinhos tendem a ser vibrantes e refrescantes, com uma sensação de vivacidade no paladar.
• Acidez Média: Variedades como Chardonnay, Pinot Gris, Marsanne, Viura, Viognier, Arneis e Verdicchio geralmente apresentam níveis moderados/médios de acidez. Esses vinhos oferecem um equilíbrio harmonioso entre frescor e corpo, sendo muitas vezes descritos como versáteis e equilibrados.
• Baixa Acidez: Gewürztraminer é uma das poucas variedades brancas com baixa acidez. Esses vinhos tendem a ser mais suaves e menos vibrantes, com uma sensação de redondeza no paladar.
Para avaliar o nível de acidez, monte um flight com três taças com diferentes vinhos em ordem crescente de acidez. Por exemplo, comece com um Gewürztraminer (baixa acidez), seguido por um Chardonnay (acidez moderada) e finalize com um Loire Chenin Blanc (alta acidez). Essa abordagem permite comparar diretamente os níveis de acidez e entender como cada vinho provoca a salivação de maneira diferente.
Forma da Acidez
A forma da acidez é talvez o aspecto mais desafiador, mas também o mais valioso, na avaliação da acidez de um vinho branco. A forma refere-se a como a acidez é sentida em diferentes lugares e níveis durante o percurso do vinho no paladar, o que Nick Jackson chama de “jornada” do vinho na boca. Cada variedade principal de uva tem uma forma de acidez distinta, que pode ser identificada pela maneira como a acidez é percebida do início ao fim da degustação.
Dizer que a acidez tem uma forma significa quee ela é sentida em diferentes intensidades e em partes distintas do paladar durante a degustação. Essa percepção pode ocorrer no início, no meio ou no final da jornada do vinho na boca. Por exemplo, a acidez pode ser sentida mais fortemente na entrada do vinho na boca (ataque), depois diminuir ou aumentar até o final. Essa variação cria uma forma específica de acidez para cada variedade. Alguns exemplos de formas de acidez em algumas variedades de uvas:
• Chenin Blanc: A acidez do Chenin Blanc é descrita como tendo uma forma de crescendo. No início, o vinho parece macio, sem muita acidez perceptível. No entanto, à medida que o vinho permanece no paladar, a acidez aumenta até atingir um pico no final. Esse crescimento gradual da acidez é característico da Chenin Blanc.
• Chardonnay: Em contraste, a acidez do Chardonnay tende a ser mais uniforme. Desde a entrada até o final, a acidez mantém um nível constante, criando uma forma linear. Essa uniformidade é uma das razões pelas quais o Chardonnay é conhecido por sua versatilidade e equilíbrio.
• Riesling: O Riesling geralmente apresenta uma acidez mais nítida e direta, que pode ser sentida fortemente desde o início do ataque do vinho na boca e permanecer constante ou diminuir ligeiramente ao longo da degustação. Essa forma de acidez contribui para a sensação de frescor e vivacidade típica dos vinhos Riesling.
• Sauvignon Blanc: A forma da acidez do Sauvignon Blanc é descrita como esférica, proporcionando uma sensação distinta e única no paladar. A acidez elevada desta variedade é notável e cria uma experiência gustativa dinâmica. Diferente de outras uvas, como o Chardonnay, cuja acidez é suave e integrada, a acidez do Sauvignon Blanc é “espinhosa” e não integrada, resultando em uma sensação de formigamento e pontadas na boca. Essa acidez é sentida ao redor das bordas da boca, contribuindo para um perfil de sabor que é ao mesmo tempo refrescante e vibrante. Essa característica, combinada com os aromas exuberantes, cria um vinho que se destaca pela sua intensidade e vivacidade, tornando-o facilmente reconhecível para os degustadores.
Tipo de Acidez
O tipo de acidez refere-se à qualidade da acidez – como ela é sentida no paladar. Cada variedade de uva apresenta um tipo de acidez único, que contribui significativamente para o perfil sensorial do vinho. Entender o tipo de acidez ajuda a refinar ainda mais a identificação da variedade de uva, complementando a análise da forma e do nível de acidez.
O tipo de acidez está relacionado à sensação que a acidez proporciona na boca. Essa sensação pode variar de uma acidez mais suave e arredondada a uma acidez mais intensa e cortante. Fatores como o clima, o rendimento da colheita e as técnicas de vinificação podem influenciar o tipo de acidez, mas cada variedade principal tende a ter um tipo de acidez característico.
• Chenin Blanc: O Chenin Blanc do Loire é conhecido por sua acidez vigorosa, quase ameaçadora para o esmalte dos dentes. A acidez é tão forte que desperta os sentidos e proporciona uma sensação de alerta no paladar.
• Riesling: A acidez do Riesling é muitas vezes descrita como formigante e nítida. Em vez de ser agressiva, a acidez do Riesling provoca uma sensação de formigamento suave, contribuindo para a vivacidade e frescor do vinho.
• Sauvignon Blanc: O Sauvignon Blanc apresenta uma acidez cortante e incisiva, frequentemente descrita como “afiada” ou “penetrante”. Essa acidez destaca-se e é uma das características mais marcantes desta variedade.
• Chardonnay: A acidez do Chardonnay pode variar dependendo da região e do estilo de vinificação, mas é geralmente mais suave e arredondada, proporcionando uma sensação de equilíbrio e harmonia no paladar.
Construção: Integrando os três elementos para concluir sobre a estrutura ácida da variedade
Depois de resumir os três pontos estruturais que formam a acidez de um vinho, Nick Jackson dedica uma frase à “construção” da variedade. Esta é a sua tentativa de resumir a “lógica interna” de uma variedade: como ela funciona como vinho.
Na visão de Jackson, alguns vinhos mostram todos os elementos se unindo na mesma direção. Um exemplo seria o Sauvignon Blanc, onde a acidez vibrante e o foco aromático criam um estilo exuberante, efervescente e vivaz. A acidez elevada e os aromas pronunciados se complementam perfeitamente, resultando em um vinho que é ao mesmo tempo refrescante e intenso. Esse alinhamento entre a acidez e os aromas cria uma experiência harmoniosa e coerente, onde cada componente do vinho contribui para sua personalidade vibrante.
Por outro lado, existem vinhos onde os elementos parecem estar em uma espécie de “cabo de guerra”, todos em tensão uns com os outros. Esses elementos puxam em direções diferentes, e a tensão criada é o que gera a sensação de gosto geral do vinho. Frequentemente, mas nem sempre, isso se manifesta na forma de elementos do vinho se equilibrando mutuamente, como fruta e acidez. No entanto, também pode envolver doçura e sabor salgado, o teor fenólico em certos brancos, etc.
Jackson cita a Chardonnay como exemplo de uma variedade que combina frutas bastante suculentas, às vezes até macias ou generosas, com uma linha firme de acidez. Se a acidez não fosse tão firme e consistente, a fruta poderia colapsar sobre si mesma. Mas a acidez fornece o impulso e a tensão que garantem que o vinho mantenha sua forma. Esse equilíbrio delicado entre a generosidade da fruta e a firmeza da acidez é o que define a construção do Chardonnay, tornando-o um vinho complexo e harmonioso.
Também é interessante pensar cada acidez de variedade da uva como a forma geométrica resultante da sensaçao provocada em boca. Isso ajuda a visualizar mentalmente a percepçao de como a acidez contribui para a estrutura e o perfil sensorial do vinho. Por exemplo, visualizar a acidez do Sauvignon Blanc como uma esfera ajuda a entender como ela se distribui uniformemente ao redor do paladar, criando aquela sensação de formigamento característica e a vivacidade do vinho. Essas ilustrações em formas geométricas servem como ferramentas visuais para complementar a análise descritiva e tornar a degustação uma experiência mais compreensível e envolvente.
Concluindo
Para saber mais, compre o livro do Nick Jackson.
O Nick Jackson também compartilhou gratuitamente aulas sobre suas teorias do livro, voce pode encontrar no canal dele no youtube.
Com isso, fecho minha série sobre acidez.
Obrigado a todo mundo que teve paciencia para ler essa sequencia e até logo!
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