Entrevista com Karene Vilela

Entrevista com Karene Vilela

Uma das pouquíssimas mulheres CEOs no mundo dos vinhos, Karene Vilela é incansável. À frente de diferentes projetos como o Got Wine?, ela ainda conseguiu tempo na agenda apertadíssima para dedicar-se ao Master of Wine. Em um papo entre colunistas, Karene contou ao Pablo Fernandez sobre os desafios da jornada do MW.

Como você tem se preparado para seus estudos no programa do Master of Wine? Quais estratégias específicas de estudo você tem aplicado para melhorar sua eficiência e retenção de conhecimento?

Eu sou uma pessoa que tem pouco comprometimento consigo mesma, mas tenho muito comprometimento com os outros. Sou alguém que se dedica bastante aos outros e percebi ao longo dos meus estudos que funciono melhor quando tenho comprometimento com um grupo de estudo, um tutor ou alguém a quem devo entregar uma tarefa. Tenho a sorte e o privilégio de encontrar pessoas que me ajudam nessa jornada. Tenho um grupo de estudos teóricos em que discutimos questões toda semana, o que me mantém comprometida com o grupo. Acredito que algumas pessoas estudam bem sozinhas, enquanto outras funcionam melhor quando têm algo a entregar a alguém.

Continuo estudando inglês até hoje, todas as semanas, desde que entrei no Diploma WSET em 2015. Minha professora de inglês tem sido uma espécie de coach, acompanhando meu progresso desde o diploma até a prova novamente. Fazemos redações semanais, ela corrige e me ajuda a melhorar meu pensamento crítico, escrita e argumentação em inglês.

Fazer uma prova em outro idioma é desafiador, pois nem sempre é fácil se fazer entender em inglês, mas é uma questão de prática. Faço degustações toda semana com o Ferrazzo, que organiza degustações às cegas para mim. Ele se tornou meu coach de prática, conhece a prova e tem acesso a provas antigas. Ele me apresenta os erros de forma cega e discutimos como posso melhorar. Esse comprometimento que tenho com algumas pessoas e que algumas pessoas têm comigo nessa jornada não tem preço. A forma como me organizo para estudar é ter mini-agendas com diferentes pessoas, o que me obriga sempre a entregar algo, a estar sempre devendo. Antes de fazer minha prova em junho, sentia que acordava sempre devendo, pois tinha algo a entregar para alguém. Isso me impulsionava a estudar e a preparar o que devia apresentar para o grupo, a professora e o coach de prática. Essas pessoas me impulsionaram para a frente. Acredito realmente que uma jornada como a do Master of Wine é muito difícil de ser percorrida sozinha. Você realmente precisa de pessoas que abracem seu projeto junto com você.

Considerando o conceito de metacognição (a consciência e compreensão de seus próprios processos de raciocínio – “o pensar sobre o seu pensamento”), como você reflete sobre seus próprios processos de aprendizado antes e depois de entrar para um programa como o Master of Wine?

Eu acredito que, desde que entrei no mundo do vinho, sempre acreditei que o vinho é uma jornada sem fim. Não há limite para o quanto você pode aprender nessa área, o quanto pode estudar sobre vinho. Você estará sempre estudando e sempre descobrindo que o que você sabia era… Você até ri. Eu pensava que era assim, mas agora entendi que não tem nada a ver, é muito mais do que isso. Vejo essa jornada desde o WSETS L1, L2, L3, L4 até o Master of Wine (MW), e percebo que é um pouco mais aprofundado, mas a teoria básica está no 1. Você aprende o básico lá no 1 e vai se aprofundando ao extremo em cada nível que sobe. Legal é descobrir coisas dentro desses níveis que você nem tinha ideia. Hoje, vejo isso no MW e penso, nossa senhora, principalmente viticultura e vinificação, que são assuntos muito mais densos. Até pré-bottling, que é o pré-engarrafamento, discutimos muito no Master of Wine também. Coisas das quais não tinha acesso a muita informação, é muito mais profundo do que imaginava nessa etapa. Fico pensando, como vivi até agora sem saber disso? Mas isso me motiva a continuar estudando. Não consigo me ver, espero que sim, terminando o MW e parando de estudar.

Acho que essa jornada e essa escada não têm fim. Realmente, o conhecimento nos mostra que não sabemos nada. Sócrates já dizia isso, que realmente aprendemos muito mais profundamente em cada nível. E a sensação que tenho no MW é que é um pouco mais do que aprendi no Diploma, com mais profundidade. Costumo dizer que era analfabeta funcional em cada nível em que estava. Aprendi o L1 no L2, o L2 no L3, o L3 no L4 e acho que agora aprendi o L4 no MW.

E acredito que é isso, vamos sedimentando o conhecimento à medida que nos desafiamos a aprender um pouco mais.

Você já identificou seu melhor estilo ou técnica de aprendizado preferido e a que tenha se mostrado especialmente útil para sua jornada de estudos?

Olha, a minha forma de estudar é um pouco hardcore. Geralmente, eu faço pequenas doses semanais, como pílulas de encontro com a teoria. Também faço redações com a minha professora de inglês e faço uma degustação com Ferrazo. Mas não me considero estudando de verdade. Sempre fui do tipo de aluno que estuda na véspera. Gosto de grandes períodos de choque, sabe? Por exemplo, para o WSET L4, o Diploma, quando passei naquela prova grandona dos vinhos do mundo, fiz 15 dias só estudando, sem fazer mais nada. Peguei férias e passei 15 dias estudando non-stop, das 7 da manhã até às 8 da noite. Sempre fui assim, esse tipo de pessoa. Todos os Wine Scholar Guilds que fiz, estudei em um final de semana. Sábado e domingo, só estudei o livro inteiro e fiz a prova na segunda-feira. Sempre estudei tudo de uma vez porque fica mais fresco na minha mente. Acho que assim consigo sedimentar o conhecimento melhor para o próximo nível. Por isso, nunca paro de estudar, porque é no próximo nível que vou consolidar o que estudei agora. Nunca fui muito diferente disso. Agora, no MW, na fase 1, peguei um mês porque o MW requer um pouco mais de determinação. Foi um mês non-stop, tentando fazer a maior quantidade de questões e degustações de uma vez. Estudando, estudando, estudando para fazer a prova. Essas são as formas de estudar para quem aguenta longas jornadas de estudo, de 12 a 14 horas seguidas. Não é para todo mundo.

Acho que todos que veem meu estilo de estudo acham que sou maluca, mas para mim sempre funcionou.

Acho que tenho que estar focado naquilo no momento certo, estar fisicamente bem, porque o corpo cansa. Então é preciso estar fisicamente e mentalmente bem e em um momento de vida que permita fazer isso. Felizmente, este ano, por exemplo, consegui parar por 20 dias. Acordava, olhava os e-mails do trabalho, respondia alguma coisa, estudava oito horas seguidas, depois trabalhava um pouco. Trabalhei muito pouco nesses 20 dias e me dediquei muito mais ao MW. Pude contar com a equipe e com a empresa, tocando tudo. Tive o privilégio de estudar sem parar por 20 dias, o que é um privilégio que poucas pessoas têm também.

Como você equilibra a necessidade de aprofundar seu conhecimento sobre vinhos com o tempo disponível para estudar? Que estratégias você tem adotado para otimizar sua aprendizagem diante de um vasto conteúdo a ser assimilado?

Olha, nesse caso, equilíbrio é uma palavra muito difícil quando você está numa jornada como Master of Wine. Então, nos primeiros semestres desse ano, por exemplo, eu vi minha mãe apenas quatro vezes, sei lá, eu trabalhava e estudava, trabalhava e estudava. O meu trabalho demanda muito, já tenho muitas responsabilidades, muitas coisas para fazer no trabalho e não posso parar porque é algo importante na minha vida, paga minhas contas e também a oportunidade e o privilégio de fazer o curso.  Então, não tinha como parar de trabalhar.

O equilíbrio está em priorizar. Vi pouco meus amigos, pouco vi pessoas que amo, estive ausente de muitos momentos especiais da minha família, momentos em que não pude estar, foi doloroso em alguns momentos, não poder estar presente. Escolhi não estar em muitos lugares porque era prioridade, acho que na vida tudo é questão de prioridade, do que é mais importante naquele momento. Agora que fiz essa primeira prova, tirei um pequeno período sabático de estudar intensivamente.

Estou numa fase em que estou trabalhando normalmente, estudando mais devagar até sair o resultado da prova, continuo estudando, mas com menos intensidade do que antes, agora sim. É até engraçado como é voltar para a vida normal, sabe? Esse final de semana fui ao museu, fazia mais de um ano que não ia, semana passada fui ao cinema, mais de um ano que não ia, fui ao bar com os amigos, coisas que deixei de fazer por seis meses, até mais. Foram quase dez meses sem fazer essas coisas que costumava fazer a trabalho. Então a minha prioridade era o trabalho, o trabalho, o trabalho e quando tinha algum momento livre, eu pensava se deveria ir ao cinema assistir um filme que não tem nada a ver ou continuar lendo um artigo, ir ao museu ver algo que adoro ou ler algo que preciso. Fiquei estudando 20 dias em Londres, mas não vi a cor do céu.  Fiquei na biblioteca, em casa, casa, biblioteca, nem sei qual é a cara de Londres, porque são sempre prioridades. Então, se você realmente quer estudar, precisa se concentrar nisso, não adianta acordar e pensar, espera aí, vou assistir The Big Bang Theory, vou passear, vou ao museu e perder esse momento de estudo, porque acaba não dando certo, assim. Então, não sei se respondi sua pergunta, mas equilíbrio está em saber qual é a prioridade e se concentrar nisso, e quando tiver a oportunidade de fazer coisas que te fazem feliz, aproveite também. Agora estou me dando esse prazer de fazer coisas que adoro até voltar à vida de estudar intensivamente de novo.

Quais são os principais desafios que você enfrenta durante o processo de estudo para o Master of Wine? E como você tem lidado com esses obstáculos para alcançar um aprendizado mais eficaz?

Definitivamente, os principais desafios que enfrento ao estudar o Master of Wine são a falta de inclusão e o fato de morar na América do Sul. É evidente que é difícil encontrar pessoas que possuam o título de Master of Wine na América do Sul, ou que vivam aqui. Conforme avanço no programa, percebo que é muito difícil. Os vinhos aqui não são representativos, não são realmente os vinhos que serão avaliados no exame, não são os vinhos que terei na prova. Quando tento provar um vinho de Hunter Valley, por exemplo, ele já está envelhecido aqui. Quando tento encontrar um vinho de Somu, ele já está antigo no Brasil. Não temos muitos exemplos de vinhos para estudar. Quando temos, são apenas uma ou duas garrafas e acabamos decorando como são essas garrafas, então não temos muitas oportunidades de nos desafiarmos. Se cai um Reticina na prova, já sei qual é o Reticina que temos no Brasil, já sei como ele é, mas não existe apenas um Reticina. Na Grécia, há centenas deles, então como vou saber qual é o Reticina se não tenho acesso a eles? O principal desafio é a falta de acesso que temos, tanto em relação aos vinhos quanto à distância em relação aos principais locais do curso. As aulas, os seminários, nada acontece na América do Sul, então tudo é muito caro, muito custoso, e não consigo participar de todos os eventos do programa devido a restrições financeiras, apesar de ser uma pessoa privilegiada. Apesar de todos os privilégios que possuo (e sou realmente muito privilegiada), ainda é muito difícil, muito, muito difícil manter o programa, pois é muito caro. O maior desafio é não me sentir incluída no programa, não ter o mesmo acesso que meus amigos que moram na Inglaterra têm. Realmente não tenho nenhum acesso e isso me deixa muito desanimada, muito atrás deles.

Que perguntas relativas a essa tema você perguntaria a um Master of Wine ou Campeão Mundial de Sommelier (pensando que essa pergunta também ajudar outros estudantes)?

Uma das perguntas que eu faria para o Master of Wine ou para um campeão mundial de sommelier é o que fez essa pessoa não desistir nos momentos mais difíceis? O que motivou essa pessoa a seguir em frente? Quais foram os gatilhos que fizeram essa pessoa continuar seguindo, mesmo com os fracassos e os momentos de provação? Se essa pessoa passou por isso. Dado o meu exemplo, eu estou sempre passando por momentos de provação. O que fez essa pessoa não desistir?

Assinatura Única Pablo Fernandez

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