Harmonizando vinho além da comida: quando a Syrah é em Si Menor

Harmonizando vinho além da comida: quando a Syrah é em Si Menor.

Olá pessoal! De volta. E meio que repetindo meus temas. Não tenho culpa se essa área é fascinante! 

Vocês já devem ter percebido que muitos dos temas aqui da coluna estavam ligados aos estudos de neurociências/percepção multissensorial:

O texto deste mês puxa o fio da meada de setembro do ano passado, que discorre sobre a teoria da crossmodalidade. Sugiro uma leitura antes de iniciar esse texto, caso você seja novo por aqui.

Voltando ao tema: Syrah em Si Menor? (um trocadilho, claro). Será que é possível harmonizar vinho e música? Se levarmos em consideração a teoria da crossmodalidade, a resposta é sim, com certeza. E há estudos que suportam essa assertiva. 

Por isso voltamos a falar do genial professor Charles Spence, da Oxford University, que explorou esse assunto em seu artigo de dezembro de 2016, intitulado “Vinho e música (I): sobre a correspondência crossmodal entre vinho e música“, que servirá de base a esta coluna.

Riesling estilo Serve the Servants.

Já pensou que poderemos ter no futuro uma nova variação de Sommelier, algo como um DJ Crossmodal? Imaginem: “Esse Riesling tem uma pegada meio Nirvana clássico, com uma pitada “In Utero“… Calma pessoal. Na verdade o estudo do Charles Spence pressupõe que pessoas que regularmente bebem percebem (por muitas vezes) uma conexão natural entre vinhos específicos e certos tipos de música, sugerindo que metáforas musicais usadas podem refletir uma experiência comum de correspondências entre os sentidos de audição e paladar. 

Ainda, Spence cita que críticos de vinho têm tentado há um tempão comparar vinhos com música. E até pouco tempo, ninguém sabia se essas comparações faziam sentido para todo mundo. Mas agora a ciência está mostrando que as pessoas não especialistas conseguem entender certos vinhos fazendo associações a músicas específicas.

Então talvez comparar vinhos com música possa nos ajudar a entender melhor suas características sensoriais. Algumas pessoas acham que isso acontece por causa da sinestesia, mas talvez tenha mais a ver com as associações que todos nós fazemos entre sabores, aromas e características de textura, de um lado, e sons e música, de outro. A gente acha que as correspondências estruturais, estatísticas, semânticas e afetivas podem explicar por que a gente sente essa conexão entre vinho e música. Assim, essa afinidade intermodal entre música e vinho é uma experiência compartilhada por muitos. Mas vamos ver mais o que o estudo de Spence nos traz para comprovar essa conexão que, de inicio, seria só linguística e metafórica.

Syrah Sepultura

Como já discutimos no artigo sobre crossmodalidade, já foi comprovado que o nosso cérebro (e portanto nosso paladar)  é influenciado pelo ambiente ‘externo’ ao comer e beber. Então se o ambiente é acolhedor e agradável, nossa experiência de sabor segue o mesmo caminho. Portanto, nada mais natural que se caso você queira temperar um pouco mais o sabor do seu amado vinho – ou tentar potencializar certas características de sabor, escolher músicas específicas na sua playlist a serem tocadas de fundo pode ser fundamental nessa missão.

O estudo de Spence descobriu que pessoas associam sabores como doce e ácido a propriedades sonoras como tom e ritmo. Outro achado é que as pessoas “harmonizaram” vinhos tintos robustos, como o Malbec, com instrumentos mais imponentes como um órgão de igreja, e vinhos brancos mais leves, como o Sauvignon Blanc, com a suavidade de uma harpa.

Mas não para por aí. O som também pode mudar completamente a percepção do gosto e da textura do vinho. Por exemplo, o estudo de Spence sugeriu que se você ouvir uma musica pesada, marcada e potente (por exemplo, Territory da grande banda brasileira Sepultura), ela vai fazer com que seja incrementada a sensação de que o vinho (um Syrah por exemplo) seja mais “porrada”, mais encorpado. Ou seja: caso fosse um Tannat, viraria um Sepultannat (trocadilho infame, eu sei, pode cortar essa editora!)

E é muito provável que se você ouvir Gymnopédie No.1 de Erik Satié para este mesmo Syrah “Sepultannat” anterior a sua percepção do quão encorpado tal vinho era definitamente vai mudar. 

Alguns outros resultados do estudo:

  • Vinhos com um toque salino (tem muitos brancos assim, Jerez Fino é a referência) vão bem com músicas que começam suave e vão crescendo – aqui sugiro desde Bohemian Rhapsody do Queen até Stairway to Heaven do Led Zeppelin
  • Vinhos frutados (pense em um vinho de Gamay) combinam com músicas alegres e vivas, com um tom mais alto (aqui pode ir de musica brasileira, com certeza), enquanto vinhos com sabores mais intensos e “pesados” harmonizam com músicas mais profundas e sérias (Let it Be dos Beatles).
  • Vinhos tânicos casam bem com rock pesado, granulado (vou de Sepultura de novo, Roots Bloody Roots), e vinhos robustos com músicas orquestrais (vá nos clássicos).
  • Vinhos com aroma de laranja combinam com músicas vibrantes e dinâmicas (Uptown Funk vai super bem aqui, não acham?).
  • Vinhos com notas de baunilha harmonizam com músicas suaves e tranquilas, com ritmo constante e um tempo lento (pra deixar minhas sugestões mais contemporâneas, sugiro Ocean Eyes da Billie Eilish).

Gostaram? É uma boa tabelinha de cola pra harmonizar diferentes tipos de música e vinhos. Esqueça a tabela de harmonizar gostos básicos e vinho. Essa é mais desafiadora! Lembre-se que a próxima moda será a do DJ Crossmodal.

Turbilhão de emoções: Cabernets são zangados, Pinots são românticos e Rieslings são alegres

Um pouco de teoria: correspondências crossmodais são essas interessantes conexões que todos parecemos ter entre diferentes modalidades sensoriais. Por exemplo, a maioria de nós associaria visuais mais brilhantes com sons agudos e sabores doces com formas arredondadas. É como se eles simplesmente combinassem, mesmo sem qualquer entrada sensorial acontecendo ao mesmo tempo (o que é um ponto chave na sinestesia).

Existem algumas ideias sobre o que causa esse fenômeno da crossmodalidade. Uma ideia é que algumas correspondências sejam apenas o nosso acostumar com a maneira como as coisas geralmente são, como sons agudos geralmente vindo de lugares mais altos no espaço. Mas isso se aplica à harmonização de vinho com música? Talvez haja um caso para vinhos sofisticados serem bebidos em restaurantes elegantes com música clássica suave ou jazz leve. Ou certos vinhos estarem associados a certas culinárias.

Outra ideia é sobre a estrutura das coisas. Basicamente, estímulos mais intensos fazem nossos cérebros se ativar mais, não importa qual é a entrada sensorial. Então, pode haver um código comum em nossos cérebros para combinar essas sensações.

Depois, há a ideia de linguagem compartilhada. Podemos usar o mesmo descritor “agudo” para falar sobre um tom de alta frequência e uma nota cítrica no aroma de um vinho.

As pessoas tendem a combinar sabores intensos com sons mais altos, o que se encaixa na ideia estrutural. Também usamos linguagem semelhante para falar sobre música e vinho. O termo doce é usado para descrever um gosto básico, mas também certos aromas, e também alguns estilos musicais.

Finalmente, podemos associar música e vinho com base nas emoções. Há cada vez mais evidências para isso. Estudos mostraram que a emoção desempenha um papel na associação de cor e música, cor e aroma, forma e sabor, e sabor básico e som. Então, por que não música e vinho também? Basta uma associação livre: Cabernets são zangados, Pinots são românticos e Rieslings são alegres. Você concorda? Já temos o refrão do nosso hit.

Todas essas correspondências crossmodais entre vinho e música podem se encaixar em uma ou mais dessas categorias. Elas não são mutuamente exclusivas. Pesquisas futuras determinarão as melhores explicações para cada uma das correspondências entre música e vinho.

Quando Mozart é acidificante

E aqui trago uma pesquisa “futura” que aconteceu em 2020, referente ao término do terceiro estágio (e final) para obtenção do título de Master of Wine de Susan Lin, intitulado “Influências da Música Clássica na Percepção de um Champagne Brut Não-Vintage

Lá, Susan observou que a percepção das pessoas mudava quando se ouvia música clássica enquanto se bebia um champanhe Brut Non Vintage quando comparada com aquelas que tomaram sem musica alguma.

O estudo de Susan chegou a conclusão de que as pessoas percebiam o Champagne mais borbulhante enquanto ouviam com músicas rápidas, de tom alto, com um som agudo e um toque dinâmico. Por outro lado, o Champagne tinha um sabor mais frutado e rico quando degustado juntamente com uma melodia mais relaxada, de tom baixo, com vibrações suaves. Isso confirma o estudo de Spence – a música realmente afeta a forma como percebemos o vinho. Mesmo que a diferença entre as músicas não fosse tão grande, o fato de o Champagne ser percebido como mais efervescente, frutado e rico quando degustado com música em comparação sem, realmente diz algo sobre o poder de uma boa playlist.

E aqui está a surpresa do estudo de Susan: a acidez do champanhe realmente se destacou e contribuiu para o seu sabor mais vivo quando as pessoas o provaram com duas músicas clássicas que eram agudas, rápidas, dinâmicas e emocionantes. Quem diria, hein?

Concluindo..

Portanto, a harmonização de vinho e música é possível e é explicada pela correspondência cross-modal, que é impulsionada por nossas respostas emocionais. Sendo que essas respostas emocionais são correspondências de som-sabor, cor-som, cor-odor, som-odor e forma-sabor, o que sugeriria que a conexão de vinho-música também pode ser controlada pela emoção (já falei que nosso olfativo é super ligado a isso, leia aqui).

As pesquisas de Spence demonstraram como a música, com seus atributos emocionais , influencia e intensificam a percepção descritiva do vinho Isso cria uma experiência de harmonização mais dinâmica e envolvente. E que também pode ser experimentada em forma de contrastes (música calma e vinho potente ou encorpado). Experimente! Até porque isso também funciona na harmonizaçao de vinho & comida.

Por fim, cada vez mais me convenço de como somos influenciáveis por muita coisa… Superestimamos nossa capacidade racional e analítica e subestimamos o poder do ambiente e da interferência das nossas emoções! No caso aqui, a música não apenas muda a forma como descrevemos o sabor do vinho, mas também reflete a interação emocional entre nossos sentidos (e o ambiente), demonstrando o poderoso efeito do contexto sensorial em nossas experiências.

É isso. Abraços e até a próxima!

Assinatura Única Pablo Fernandez

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