Vinho laranja: como harmonizar?
Vou ter que começar este texto assumindo que sou uma patriota incansável, e tenho a certeza de que, ao final dele, vocês provavelmente estarão de acordo com essa afirmação inicial. Mas vamos ao que trouxe vocês a essa leitura hoje. Vamos falar sobre harmonização?
Como alguns de vocês já devem ter percebido na primeira coluna sobre o tema, quero aproveitar este espaço para pensarmos o vinho e a gastronomia sob uma perspectiva que nos permita olhar para novas e diferentes possibilidades.
Quando pensamos a harmonização de alimentos e vinhos, temos uma tendência quase que imediata a elencar vinhos brancos, tintos e espumantes como as principais possibilidades. Em alguns casos em que se imagina uma sobremesa, os fortificados até são considerados. Porém, dificilmente lembramos dos chamados vinhos laranja. Ah! Esses passam batido! E digo mais, não paramos ainda para considerar que esses venham a ser vinhos não filtrados, elaborados por processo artesanal ou ainda que sejam produzidos com uvas de mesa.
Vejam bem, eu não quero ser incoerente com a ideia inicial de descomplicar vinho e harmonização por trazer essas outras possibilidades aqui, muito pelo contrário. Saber que temos no nosso país pequenos produtores que utilizam uvas de mesa e métodos artesanais, e têm condições de entregar um produto de excelência a ótimo custo-benefício, nos possibilita não apenas ampliar o nosso conhecimento a respeito do vinho, como nos permitir essa experiência sensorial, e mais, a valorização do nosso produto interno. E então pergunto. No que isso poderia ser ruim, meus caros?
Agora, voltemos a falar sobre os vinhos laranja: nem todos sabem, mas, em resumo, para produzi-lo, usa-se as uvas brancas tal qual seria feito para um vinho tinto, onde a polpa fica em contato com a casca. Nesse procedimento, o vinho, que seria branco, adquire a cor alaranjada ou âmbar e, claro, acaba ganhando mais corpo.
Aprenda mais sobre vinhos laranjas aqui.
Para o que nos interessa, no que diz respeito à harmonização, pensamos na acidez natural de muitas uvas brancas, que favorece a quebra em pratos mais gordurosos e ajuda na difícil afinidade com sabores intensos e picantes. Vinhos brancos convencionais, no entanto, ainda que possam ter elevado grau de acidez, podem perder potência quando servidos com pratos que contenham uma mescla maior de elementos como especiarias e pimentas. Nesses casos, o novo queridinho do pedaço, o vinho laranja, pode ser o caminho perfeito do potencial para dar suporte a tantos ingredientes juntos e misturados.
Vinhos laranja são aliados perfeitos para culturas não europeias, meus caros. Pratos indianos, regados a leite de coco, pimentas e massalas (mix de especiarias), assim como os tailandeses, que também têm em sua base de preparo o uso de pimentas, curries (pasta de temperos) e leite de coco, passeiam de mãos dadas com esses vinhos levemente encorpados, com acidez equilibrada e sabores e aromas típicos. Não tem erro!
E aqui no Brasil… eu não poderia deixar de falar sobre as nossas possibilidades. Na mesma linha do que escrevi a respeito de outras culturas belíssimas trazerem boas refeições para harmonizar com vinhos laranja, sugiro a vocês um dos meus favoritos da culinária baiana: a moqueca de peixe com dendê, leite de coco e aquele coentro lindo para ninguém botar defeito.
Testei dois vinhos incríveis produzidos aqui no Brasil, ambos do Rio Grande do Sul, apesar da diferença peculiar de um ser de Chardonnay, e o outro de Lorena, uva de mesa. Os dois serviram como ótimos companheiros para a moqueca, mas como boa colega que eu sou de vocês, devo dizer que tenho o meu favorito e vou deixar um adendo na ficha técnica para que saibam qual foi a minha escolha. A receita completa da moqueca também está disponível para vocês brilharem e seguirem comigo nesta caminhada em busca de vinhos da nossa terra que, assim como a cozinha brasileira, podem ser descomplicados. Sigamos a explorar sabores? Vamos desbravar? Conto com vocês!
FICHAS TÉCNICAS INDICAÇÕES DE HARMONIZAÇÃO:
MINHA ESCOLHA PERFEITA: LORENA 2021
– Produtor: Domínio Vicari
– Uvas: 100% Lorena
– Ano: 2021
– País/Região: Brasil – Monte Belo/RS
– Tempo de maceração: 5 dias
– Álcool: 12%
Obs: Vinho de mínima intervenção/produção artesanal
MINHA SEGUNDA ESCOLHA: VINDIMA 2021
– Produtor: Casa Viccas
– Uvas: Chardonnay
– Ano: 2021
– País/Região: Brasil – Serafina Correa/RS
– Álcool: 12,5%
Obs: vinho natural, sem intervenção e sem filtragem
MOQUECA COM LEITE DE COCO E DENDÊ DE PILÃO
INGREDIENTES:
– 1kg de postas de cação
– 4 tomates grandes cortados em rodelas
– 2 pimentões vermelhos cortados em rodelas
– 2 pimentões amarelos cortados em rodelas
– 2 cebolas fatiadas em rodelas
– 50ml de azeite de oliva
– Sal a gosto
– Coentro a gosto
– Suco de 3 limões
– 200ml de leite de coco
– 60ml de azeite de dendê
– Pimenta dedo de moça a gosto
MODO DE PREPARO:
- Tempere as postas de cação com sal, coentro picado e suco de limão. Reserve.
- Numa panela de barro, acrescente o azeite de oliva e arrume as camadas dos vegetais cortados, alternando entre vegetais e peixe.
- Ao finalizar, despeje o leite de coco e o azeite de dendê.
- Leve para ferver e abaixe o fogo quando levantar fervura.
- Tampe a panela e deixe cozinhar lentamente, até que o peixe esteja macio e o caldo reduza levemente.
- Acrescente a pimenta dedo de moça bem picada e finalize com coentro fresco.
- Ajuste temperos e sirva.